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RECAPITULANDO

RECAPITULANDO

Muitos políticos e comentadores de direita continuam convencidos de que se pode enganar toda a gente durante todo o tempo. Acham eles que, se o governo PSD/CDS foi bem-sucedido nesse desiderato nos últimos quatro anos, vale a pena tentar de novo, sobretudo quando têm a conivência de uma legião de poderes instalados em diferentes sectores. Sem coerência e sem decoro, distorcem os factos, desdizem o que antes afirmaram, baralham as regras democráticas, pressionam e ameaçam com o único objetivo de não perderem o poder.

Opinião de:

RECAPITULANDO

Em 2011, Paulo Portas, com a aptidão comunicacional que lhe é reconhecida, explicava a Passos Coelho como se forma uma maioria parlamentar no respeito pela Constituição, independentemente do partido mais votado. Pode ser com 23,5% do CDS e 23% do PSD, argumentava, o que importa é a soma das partes, porque quem forma maioria no parlamento é que pode levar ao Presidente da República uma solução maioritária. Por essa altura, Bagão Félix também defendia o que agora condena, dando como bom um governo PSD, CDS e PCP, sugerindo mesmo a possibilidade de o PCP ficar com uma pasta social ou do trabalho. O que era natural para a direita em 2011 é ilegítimo para a esquerda em 2015. Mais exemplos para quê? Já se percebeu que a capacidade da direita para ajustar a realidade às suas conveniências é inesgotável.

Nem em 2011 nem antes, os analistas de serviço gastaram tinta e verbo com as mil e uma interpretações do voto dos portugueses. Agora, há explicações para todos os gostos. No meio da variedade interpretativa, retiro esta conclusão simples: cada votante do PS pretendia, simultaneamente, afastar a maioria de direita do poder e dar condições a António Costa para formar governo. O que é realmente novo no atual quadro parlamentar é a existência de uma maioria de esquerda. E quem andou em campanha, certamente ouviu, como eu, o recado de muitos eleitores: o que é preciso é votar contra o governo, depois os partidos de esquerda que se entendam. 

Não raras vezes gostamos de invocar o exemplo europeu, sobretudo dos nórdicos. Há em vários países europeus coligações de geometria variável de que emergiram primeiros-ministros cujos partidos não foram os mais votados. Na Letónia e na Noruega, o primeiro-ministro pertence ao segundo partido mais votado. No Luxemburgo e na Dinamarca, ao terceiro. Na Bélgica, igualmente ao terceiro, com a particularidade de o partido mais votado integrar a solução governativa. Sem dramas nem adjetivação espúria. Dialogar com todos, não fechar portas, construir uma maioria parlamentar que apoie um governo estável, via seguida por António Costa e natural em qualquer democracia, é “dramático”, “golpe de estado”, “fraude”, “traição” para os que pararam no tempo e não deram conta de que o mundo continuou a girar. E não deixa de ser comovente o desvelo com que a direita se preocupa com o futuro do PS e de António Costa. Calma, ó gente sensível, o PS e António Costa estão bons e recomendam-se. 

Com a eleição dos deputados pela emigração, ficam finalmente apurados os resultados eleitorais: 89 mandatos para o PSD, 86 para o PS, 19 para o BE, 18 para o CDS, 17 para a CDU, 1 para o PAN. Começa agora a contagem decrescente para a formação do governo para os próximos quatro anos. Cumprindo a Constituição, o PR vai ouvir os partidos e, tendo em conta os resultados eleitorais, decidir. Não vou contribuir para o ruído de fundo sobre o que fará Cavaco Silva. Desejo que saiba estar à altura deste momento histórico e que decida colocando o interesse nacional acima de tudo.