“Fizemos um processo de aproximação e esse processo não teve correspondência em aspetos nucleares e equilibrados”, explicou o presidente do Grupo Parlamentar do PS numa conferência de imprensa, juntamente com o vice-presidente da bancada Pedro Delgado Alves. Eurico Brilhante Dias disse mesmo que o PS estava a tentar negociar um acordo que “levaria a que o Partido Socialista votasse favoravelmente o diploma, e não apenas uma abstenção”.
Eurico Brilhante Dias frisou que “há um ponto central com o qual o Partido Socialista não podia estar de acordo”. O Governo entendeu propor a revogação do artigo da lei da nacionalidade que “permite que os cidadãos que fazem um pedido de autorização de residência tenham essa autorização a partir do momento do pedido, para depois formar, a partir desse pedido, o tempo necessário para fazerem o pedido de nacionalidade”. Ora, “o Partido Socialista apresentou uma proposta intermédia que procurava que o cidadão pudesse fazer a contagem do tempo a partir do momento em que a administração pública não cumpre o prazo de resposta”, fazendo com que os cidadãos “possam contar para efeitos de nacionalidade a sua residência a partir do momento em que o Estado, na relação com o cidadão, falha e não cumpre o prazo”, explicou.
Apesar de todas as tentativas do PS, o Governo não aceitou esta proposta e a solução encontrada pelo Executivo é, para o Partido Socialista, “um corte grave na relação da administração pública com os cidadãos”, assegurou, admitindo mesmo ter dúvidas do ponto de vista do quadro constitucional.
Prazo para obtenção da nacionalidade vai duplicar de um dia para o outro
Durante a votação do diploma na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a AD, a IL e o Chega aprovaram a obtenção da nacionalidade só ao fim de dez anos de residência legal em Portugal, com um prazo de sete anos para cidadãos de países da CPLP e da UE.
Lembrando que a regra hoje é de cinco anos, Pedro Delgado Alves vincou que, “para muitas pessoas, esse prazo vai dobrar para dez anos num espaço de um dia para o outro, que é o momento de entrada em vigor da lei”.
O vice-presidente da bancada do PS esclareceu que há pessoas que esperam entre dois a três anos pela autorização de residência. “Na prática, estamos a falar de um prazo que pode ir até aos 13 anos e que, tendo em conta que a própria aquisição da nacionalidade pode demorar mais tempo, pode chegar quase aos 15 anos em que as pessoas aguardam a eventual aquisição da nacionalidade”, algo que considerou ser “um desequilíbrio muito grande”.
O Partido Socialista queria, igualmente, evitar a subjetividade e indeterminação de conceitos na lei. “Foi polvilhado um pouco por toda a lei da nacionalidade o recurso a conceitos indeterminados e a conceitos que são de difícil de concretização, designadamente, no que respeita à oposição à aquisição da nacionalidade e ao conhecimento da cultura”, comentou.
“Introduzir uma cláusula tão genérica como o ‘conhecimento da cultura’, sem que ele seja densificado neste momento em que o discutimos, parece-nos ser uma má opção”, criticou Pedro Delgado Alves, sublinhando que o PS fez uma “sugestão construtiva” que visava circunscrever ao conhecimento da história de Portugal e aos símbolos nacionais previstos na Constituição, algo que também “não foi suficiente para convencer o Governo que podia melhorar a lei”.
O Grupo Parlamentar do PS tem ainda uma objeção quanto à amplitude dos crimes que podem determinar a perda da nacionalidade. “Uma pessoa que pratique um crime, e mesmo um crime grave, é sancionada pelo Direito Penal português. É preciso, de facto, haver uma quebra de relação com o Estado de tal ordem grave e importante para determinar também a perda da nacionalidade”, mencionou Pedro Delgado Alves, que se mostrou contra a lista dos ilícitos “muito vasta” que admite essa perda de nacionalidade.
O socialista deu um exemplo que demonstra que, para além dos problemas apontados, cria também desigualdade: “Uma pessoa que tenha dupla nacionalidade poderá ser objeto desta sanção, quem só tiver nacionalidade portuguesa não poderá ser. Portanto, duas pessoas que pratiquem o mesmíssimo facto no mesmo dia, à mesma hora, até pode ser em cumplicidade, uma delas pode perder a nacionalidade portuguesa e a outra não”.