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“Portugueses têm enorme vontade e expetativa de mudança”

“Portugueses têm enorme vontade e expetativa de mudança”

Numa entrevista conduzida pelos jornalistas Maria Elisa e Vicente Jorge Silva, o secretário-geral do PS, António Costa, diz o que pensa da atual situação política, económica e social do país. Reflete sobre a política, a responsabilidade dos líderes, a construção de alternativas e a necessidade imperiosa de confiança. Fala do seu vasto percurso político, onde deixou obra, nomeadamente em Lisboa, mas sobretudo aponta caminhos credíveis para o futuro como saída ao triste presente que temos vivido.

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"Portugueses têm enorme vontade e expetativa de mudança"

Uma das críticas que lhe fazem, enquanto líder do PS, é que se conhece muito pouco do seu pensamento sobre as coisas imediatas que afligem a sociedade portuguesa. O que vai fazer de diferente?

Desde que Mário Soares fundou o PS, temos sido sempre coerentes com as políticas que defendemos. Nós não fazemos cortes existenciais cada vez que há uma mudança de liderança. Cada líder do PS tem sabido, melhor ou pior, assumir todo o balanço positivo e todo o passivo que o PS produziu ao longo destes 40 anos.

O Governo Sócrates está muito associado ao facto de ter recorrido ao resgate externo. Como é que garante aos portugueses que a situação não se repetirá?

As diferenças não se dizem: as pessoas ou são diferentes ou não. Há uma coisa que não renego. Fiz parte desse Governo entre 2005 e 2007 e não esqueço que ele deixou marcas muito positivas na sociedade portuguesa. Nas reformas do Estado, designadamente no Simplex, nas políticas sociais, com a maior redução da pobreza em particular junto da população idosa, graças ao complemento social para idosos. Foi um Governo que teve uma visão estratégica muito correta em dar prioridade a tudo o que teve a ver com a formação de adultos, com o investimento em Ciência, em eficiência energética, marcas muito positivas de toda essa ação governativa.

Ora, há dados que convém não ignorar. O défice mais baixo de toda a democracia deu-se com o primeiro governo de José Sócrates em 2007. Quando a crise se iniciou, em 2008, Portugal tinha uma dívida inferior à média da UE. E, em 2011, a dívida portuguesa era de 97% do PIB e hoje é de 128%. Em 2009, durante a presidência francesa do senhor Sarkozy, a UE decidiu que, para responder à crise e evitar uma grande recessão, era necessário um grande esforço de investimento público em ferrovias, energias alternativas ou em construção civil, de forma a contrariar o perigo de recessão. E os governos alinharam nesse sentido.

Mas o resgate teve de ser negociado pelo PS.

Foi por todos. Temos de nos concentrar em resolver os problemas estruturais da nossa competitividade que não vão com um choque de empobrecimento mas com um choque de qualificação. A nossa competitividade exige um choque que é de qualificação e não um choque de empobrecimento.

Há problemas que reclamam rápida resolução. O país quer saber o que o António Costa e o PS vão propor de imediato e quais os alvos concretos que se propõem atacar.

Não faremos promessas que não possamos concretizar. Para além da Agenda para a Década, temos o Programa de Recuperação Económica e Social. Defendemos que depois do programa de ajustamento é necessário fazermos a fisioterapia que nos permita recuperar a nossa autonomia. Esta iniciativa tem uma dimensão europeia e outra nacional. Na dimensão nacional, damos prioridade à mobilização dos fundos comunitários. Estes fundos são fundamentais para a atividade económica. Em segundo lugar, a capitalização das empresas, porque não basta os bancos terem liquidez para poderem emprestar, é também necessário que as empresas tenham condições para poderem mobilizar esses recursos. E, para isso, já dissemos que, desde a reorientação do capital disponível dos visto gold às verbas existentes de fundos comunitários e outros, devem ser encaminhados para um fundo de capitalização que permita reforçar o capital das empresas criando-lhes condições para investir.

Em terceiro lugar, políticas ativas de emprego dirigidas para os dois domínios prioritários: por um lado, para a contratação de jovens qualificados, sobretudo para as empresas exportadoras, e, por outro lado, um programa dirigido para os desempregados de longa duração, para a minha geração, que têm menos qualificações mas que estão no mercado de trabalho. A estas medidas teremos que juntar um grande programa de reabilitação urbana, para o qual há verbas comunitárias disponíveis, a propósito da eficiência energética.

Finalmente, a nossa proposta passa também por um programa nacional de combate à pobreza infantil e juvenil.

Como é óbvio, nós não vamos chegar às próximas eleições sem Programa de Governo. Para a próxima primavera, está agendada uma Convenção Nacional onde ele será aprovado.

Os portugueses têm hoje uma enorme vontade e expectativa em relação à mudança. E a coisa mais crítica na relação com os cidadãos, pior que a situação económica, é a questão da confiança na política e nos políticos. E esse é um capital precioso, mas frágil, e que dificilmente se recupera. Os portugueses têm enorme vontade de mudança que não pode ser defrauda.

As eleições primárias revelaram uma grande simpatia do povo português pelo PS e por si em particular. É natural que haja uma grande expetativa em relação ao que pensa e propõe.

Eu procurarei corresponder às expetativas criadas. Só lembro que não há expetativa em relação aos partidos da maioria que apoiam o Governo. Por isso ninguém pergunta. E este é um facto indesmentível e que quer dizer muito.

Mas as sondagens dizem que o PS cristalizou nos 38%. Parece uma fronteira inultrapassável.

Eu acho que as sondagens são ótimas. Quanto ao facto de o PS estar consolidado na casa dos tais 38%, é preciso ter em conta que, apesar de tudo, são sete pontos acima do último resultado eleitoral que o PS obteve. E são 12 pontos à frente do segundo partido e seis pontos à frente da coligação governamental da direita. Estamos, neste momento, a uma distância bastante razoável das eleições legislativas. Há uma contradição insanável entre a ansiedade dos portugueses de quererem uma mudança já, e esta lenta agonia em que o Presidente da República lançou o país, que transformou as próximas legislativas numa maratona.

Está desiludido com a atuação do Presidente da República?

Eu acho que o Presidente da República não tem lido bem os sinais do país e, por isso, se vive numa certa paralisia. O Governo não tem mais nada a dizer. Tinha um programa que era o programa da troica, não tinha programa para depois da troica, continua a não ter, enquanto a oposição está tolhida porque não pode fazer mais do que oposição. E as pessoas querem de facto mudança.

Quando falou das várias componentes do programa de recuperação, não falou dos reformados, da população mais idosa.

No quadro daquele enunciado que fiz há pouco, há uma questão muito importante que tem a ver com a estabilização dos rendimentos, nomeadamente dos reformados e dos rendimentos mais baixos, designadamente do aumento do salário mínimo, que ocorreu numa primeira fase e que tem de ter continuidade. Um dos grandes fatores de estagnação da nossa economia é o baixo nível de expetativas e confiança no futuro. E isso tem a ver com a política de rendimentos.

É mais que provável que os partidos do Governo vão recorrer à artilharia pesada no chamado “caso Sócrates” para atingir o PS. Você não desvaloriza esta questão delicada, pois não?

Claro que não. Esta é uma das situações mais delicadas e pungentes que se podem viver na vida política e pessoal. E isto porque há uma contradição entre o que são os sentimentos pessoais e aquilo que deve ser a atitude institucional. Eu acho que o PS tem tido uma maturidade cívica e institucional digna de louvor e que é exemplar.

Mas existem declarações de algumas personalidades do partido sobre o “caso Sócrates” como, por exemplo, Mário Soares…

O PS é um partido de liberdade, nunca se viu no PS a tentativa de impor a alguém algum tipo de comportamento. Por isso, todos os militantes do PS, enquanto cidadãos, são absolutamente livres de fazerem, pensarem aquilo que bem entenderem. Já outra questão é a posição institucional do PS. Se não fosse secretário-geral, eu teria outra liberdade que entendo não dever exercer pelas funções institucionais que detenho.

O que é que a sua atividade enquanto presidente da Câmara de Lisboa lhe deu de útil para a possibilidade de ser primeiro-ministro?

Deu-me uma coisa muito importante que é a compreensão do que é governar em proximidade com as pessoas, na gestão quotidiana daquilo que são os interesses contraditórios permanentes de que a cidade se faz.

Continua contente com as alterações ao trânsito no Marquês do Pombal?

Os resultados são francamente positivos perante o objetivo central que era a redução da poluição ambiental através da diminuição do tráfego. É preciso lembrar que estamos a falar do eixo mais bem servido por transportes públicos na cidade. Portugal foi condenado no Tribunal de Justiça da UE por violação dos limites de poluição e de qualidade do ar na Av. da Liberdade. Estamos a falar de uma multa no valor de um milhão e novecentos mil euros e mais seiscentos euros por cada dia em que não cumpra as limitações das emissões. É preciso realçar que a qualidade do ar é vital para a qualidade de vida e para a saúde pública. Isto é tão grave como as lixeiras a céu aberto.

Gostou mais de ser ministro ou presidente de câmara?

Eu tenho tido a sorte de gostar de tudo o que tenho feito na política, com uma exceção. Mas não escondo que ser presidente de câmara é, até hoje, a experiência mais gratificante.

Qual é a exceção?

A exceção é ter sido líder parlamentar.

Porquê?

Eu valorizo muito a função central do Parlamento na vida democrática. Mas gosto de fazer coisas. Cada um tem jeito para o que tem e valoriza-se mais naquilo que gosta muito de fazer. Há pessoas que se realizam no romance, outras na poesia, e há quem se realize mais em funções parlamentares e outros em funções executivas, como é o meu caso.

Se chegar a primeiro-ministro, tanto quanto sabemos, será o primeiro chefe do Governo educado por uma feminista. Quais as marcas que este facto lhe deixou?

Não sou o melhor juiz em causa própria. No entanto, admito que tenha dado, por esse facto, uma atenção particular e diferente a temas como a paridade, a conciliação entre a vida familiar e profissional, designadamente ao nível das políticas da cidade, à problemática da violência doméstica, entre outros temas. Mas eu não sou a pessoa mais adequada para avaliar essa influência.

Quanto às presidenciais, António Guterres ainda não se decidiu se vai ou não candidatar-se e a sensação que se tem é que o PS corre o risco de ficar refém de uma candidatura que não será tão obviamente vencedora. O que acha deste cenário?

O PS nunca escolheu Presidentes da República, apoiou candidatos a Belém. O que é fundamental para as pessoas serem candidatas é quererem ser candidatas. Acho que o país sente falta de se rever em Presidentes da República como aqueles que elegeu com o apoio do PS. Na altura própria, o PS pronunciar-se-á sobre as candidaturas que existam. Não me compete estar a escolher um candidato.

AGRADECIMENTO

Agradecemos à Maria Elisa e ao Vicente Jorge Silva terem aceitado o convite para conduzirem a entrevista e o terem encarado como um desafio inesperado e interessante a juntar a tantos outros das suas longas e bem-sucedidas carreiras de jornalistas. Um agradecimento é também devido à fotógrafa Clara Azevedo.