Por que ganhou o PSOE?
O que aconteceu nestes 10 meses para que o improvável se concretizasse? O que fez com que um líder três vezes derrotado, dentro e fora do seu partido, tivesse chegado onde chegou? Há muitas razões a arrolar para podermos entender o caminho e é sobre elas que aqui deixamos o rastreio.
1. A Espanha do diálogo – Não há um só espanhol, seja de que nação for, que goste de regressar às grandes guerras civis que despedaçaram e empobreceram as Espanhas. Lá no fundo cada um dos que se juntam neste Estado plurinacional sabe que os Reis Católicos não criaram uma coisa indiscutível, que cada uma das realidades expostas no território se fundam em séculos de vida e de resistência. O PSOE foi o único partido que se assumiu pela necessidade de tudo garantir pelo diálogo, pela efetiva consagração constitucional, pela garantia de uma convivência entre povos que pode fazer sentido deste que todos entendam e autorizem um caminho partilhado.
2. A Espanha moderada – O PSOE e o seu líder assentaram o seu combate em três frases – somos de esquerda; somos social-democratas; e somos profundamente europeus. A esta trilogia se opôs o Cidadãos com uma outra; somos espanhóis, somos liberais; e somos profundamente europeus. Estas duas organizações tiveram o mérito de mobilizar, como há muito se não via, o centro político, e garantir parte significativa dos crescimentos em votos e em parlamentares que ambos verificaram.
3. A Espanha dinâmica – O PSOE não abandonou a sua proposta por mais igualdade. Mesmo no discurso de vitória, Sanchez a isso se referiu. É uma marca de sempre dos socialistas mais à esquerda. Mas nos últimos meses o governo minoritário socialista acrescentou e valorizou mais a liberdade individual, de criar, de ser e de estar, até de promover, produzir e ganhar dinheiro. Ora, esta assunção da liberdade como marca central da mensagem acrescentou centenas de milhar de votos de todos aqueles que querem fazer a sua vida sem amarras.
4. A Espanha plural – O PSOE juntou os diversos cosmopolitismos com as leituras tradicionais e os regionalismos. Aqui foi o oposto de Unidas Podemos que se mobilizam, a cada dia, contra a Fiesta, a Semana Santa, até contra a gastronomia e o folclore local, numa progressiva ditadura do gosto. O PSOE tocou as especificidades locais com todo o cuidado, assumindo-as e não as transformando em prato forte da mobilização do VOX. Mas também foi o único partido que assumiu a cultura como espaço de divergência, que não se ficou pelas agendas de sentido único, mesmo não as deixando sem paternidade, agendas essas que se centram em minorias e que não raro se esquecem das grandes maiorias.
5. A Espanha Vazia – O PSOE, também o Cidadãos, assumiram as Espanhas sem voz com propostas e, principalmente com proximidade. Mais de 7 milhões de pessoas vivem em povos com reduzidíssimo número de pessoas, com um abandono que se inicia com Franco e nunca mais parará. O PSOE concretizou em 10 meses um conjunto de projetos que se destinaram a este território, o Cidadãos assumiu o problema no combate nacional. Mas ambos fizeram a abordagem de forma correta – sem tutelas e sem elitismos, colocando cada um destes espanhóis no centro da dignidade enquanto pessoa.
6. A Espanha digital – O PSOE não desgraduou as velhas formas de fazer chegar a sua mensagem. Mas não é nestes universos que Sanchez se dá melhor. Era aqui que Gonzalez era rei e nunca depois houve alguém que lhe chegasse perto. Mas foi na capacidade de usar todo o que hoje existe – WhatsApp, Facebook, Twitter, Instagram, SMS, videochamada, redes internas de televisão, que os socialistas ganharam. O que é importante verificar é a forma como seccionaram o discurso e formataram a mensagem – o que é simples e curto tanto chega ao agricultor como ao catedrático. E há ainda a estética dos materiais de campanha, cartazes improváveis, gestos improváveis, sons improváveis, palavras de ordem improváveis, meme’s improváveis e tudo com uma velocidade estonteante.
7. A Espanha grande – Houve quem quisesse disputar uma leitura ultrapassada de uma Espanha Imperial. Não era verdadeiramente uma Espanha Imperial, sim uma Castela Imperial dentro e forra do território europeu. O PP e o VOX disputaram esse campo e bateram com os burrinhos na água. Num mundo aberto, os simbolismos tradicionais submergem e devem dar lugar a grandes espaços de partilha. O universalismo assumido pelo PSOE foi mais valioso que os velhos encantos da Espanha Grande falangista. É, aliás, aqui que se fixa a grande divergência entre o PSOE e o Podemos – a Europa e o Atlântico como elementos centrais, determinantes, da presença de Espanha.
Sanchez não se apresenta como um político de fácil encanto. Mas o Poder pode fazer grandes Homens e também ele tem agora o seu tempo, o tempo de deixar de gerir o dia-a-dia para dar uma dimensão nova às Espanhas carentes de amor próprio. Muitas destas leituras devem fazer-se em Portugal. Em boa verdade por aqui uma parte da direita partidária já moderou o Vox falangista e outra parte dessa direita nem sabe sequer o que aconteceu aqui ao lado. Pelas esquerdas deveremos esperar para ver como vão olhar para esta nova etapa do nosso irmão e vizinho.