Parlamento homenageou “militante número um da democracia portuguesa”
“Esta sessão especial da Assembleia da República, dedicada à sua memória, é, porém, a celebração da sua vida e da sua dedicação patriótica ao nosso país”, defendeu.
Carlos César evocou Mário Soares como um homem “que lutou pela democracia no tempo daquilo que foi, literalmente, o nosso ‘Ancien Régime’, no sentido histórico da expressão, e que por ela batalhou, dentro e fora de portas, no tempo difícil da formação da Segunda República. Foi, porfiadamente, um lutador pelo seu aprofundamento nas suas dimensões económica, social e cultural”.
O também presidente do PS lembrou que “Mário Soares viveu, até aos primeiros 49 anos da sua vida, sem conhecer, no seu país, o respeito pelos direitos, liberdades e garantias, públicas e individuais”.
“Sem o Mário Soares antifascista – e sem o seu horror dos justos pelo Estado policial – não teríamos o Mário Soares que viria a ser o maior agente da consolidação da nossa ‘Democracia Política Representativa Clássica’, para usar a expressão de José Medeiros Ferreira”, a democracia que “a todos nos reúne nesta Casa e que nos obriga ao respeito mútuo, à tolerância e à fidelidade aos nossos princípios”.
“A experiência internacional que foi ganhando confirmou-lhe que, na hora da chegada da democracia, ela só seria sustentável num contexto de entrosamento e compromisso de Portugal com a Europa das democracias liberais e dos Estados sociais de Direito. Foi com esse espírito, e nesse contexto, que Mário Soares pugnou pela constituição do Partido Socialista”, vincou.
Carlos César lembrou, ainda, que “foi durante o seu IX Governo Constitucional que, num discurso na cidade da Praia, em Cabo Verde, o então seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, em 1984, proporia a constituição e o desenho institucional, hoje vigente, de uma Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Doze anos depois, a CPLP materializou-se. Estava lançado o arcobotante da Lusofonia”.
“Portugal é um país sem o qual o mundo não seria igual. Devemos a Mário Soares a lembrança, insistente, constante da nossa vocação e da nossa projeção universal. Por isso, ele percorreu o mundo, como nosso procurador, ajudando ao nosso reconhecimento”, afirmou Carlos César, acrescentando que “Mário Soares nunca pertenceu à categoria dos dirigentes portugueses que diminuem o nosso país no concerto das nações, para justificarem a mediocridade da sua própria ação e ambição e dos seus resultados”.
“Mário Soares desafiou as regras do ‘Príncipe’ na política. Foi perfeito e imperfeito. Foi ousado e cometeu imprudências. Apostou e ganhou. Apostou e perdeu. Foi fraterno e foi difícil. Nunca foi, porém, desinteressante e muito menos irrelevante. Nunca faltou ao seu país”, asseverou.
Intervenção do Presidente do Grupo Parlamentar do PS
Esta quarta-feira, 11 de janeiro de 2017, é o terceiro e último dia de luto nacional pelo falecimento de Mário Soares. Esta sessão especial da Assembleia da República, dedicada à sua memória é, porém, a celebração da sua vida e da sua dedicação patriótica ao nosso País – de uma vida longa e plena, no tempo e no modo.
Uma vida que começou um ano e meio antes da queda da Primeira República e do ascenso da Ditadura Militar e subsequente Ditadura Nacional, que se consolidaria no Estado Novo, até 25 de Abril de 1974, data fundadora da Segunda República – como Mário Soares sempre a designou, contrariando o insidioso revisionismo histórico.
Quer isto dizer que Mário Soares viveu, até aos primeiros 49 anos da sua vida, sem conhecer, no seu País, o respeito pelos direitos, liberdades e garantias, públicas e individuais.
Quer isto dizer que viveu a sua infância e juventude sob o signo da perseguição permanente ao seu Pai, o pedagogo distinto que foi o Dr. João Soares. Quer isto dizer que, sendo quem era, desde que chegou à idade da razão, aos 17 anos, não deu tréguas à opressão durante os 32 anos seguintes. Quer isto dizer que o fez partilhando com a sua mulher, Maria de Jesus, e com os seus filhos, Isabel e João, antes e depois de 1974, os entusiasmos mais íntimos e os sofrimentos mais angustiantes dessas lutas.
Tudo isto quer dizer que sem o Mário Soares antifascista – e sem o seu horror dos justos pelo Estado policial – não teríamos o Mário Soares que viria a ser o maior agente da consolidação da nossa “Democracia Política Representativa Clássica”, para usar a expressão de José Medeiros Ferreira – a Democracia que a todos nos reúne nesta Casa e que nos obriga ao respeito mútuo, à tolerância e à fidelidade aos nossos princípios.
Mário Soares começou, pois, cedo a sua resistência. Em razão da eficiência do combate antifascista entrou para o Partido Comunista Português, como o fizeram tantos outros a quem tanto devemos. Acompanhado e acompanhando aqueles a quem a autonomia da ação e do juízo políticos não dispensavam um livre arbítrio não-consentâneo com a férrea disciplina partidária, abandonou essa filiação.
E chegamos ao âmago da “persona” política de Mário Soares.
Mais do que o mero herdeiro de um republicanismo mais liberal ou mais social, mais ou menos conspirativo, Mário Soares foi um intérprete privilegiado da necessidade da autonomia de juízo necessária ao líder político.
Autonomia pessoal (passe a tautologia) é, pois, a palavra-chave da sua ação política, na resistência e na vida democrática.
Mário Soares cedo se foi apercebendo de que a eficiência do combate ao Estado policial para-fascista português requeria uma exigente plasticidade da luta política. A experiência internacional que foi ganhando confirmou-lhe que na hora da chegada da Democracia, ela só seria sustentável num contexto de entrosamento e compromisso de Portugal com a Europa das democracias liberais e dos Estados sociais de Direito. Foi com esse espirito, e nesse contexto, que Mário Soares pugnou pela constituição do Partido Socialista.
Há aqui uma constante da nossa História, quase desde aquela “primeira tarde portuguesa” que ocorreu em 1139, em São Mamede. Como disse, com elegante beleza, Fernando Morán, o chefe da diplomacia espanhola no primeiro governo de Felipe Gonzalez, a construção de Portugal é “como a de uma catedral, que se sustenta nos seus arcobotantes”. A Europa das Comunidades seria um dos assentamentos desses arcobotantes, sustentáculo estratégico da nossa velha Pátria e da nossa jovem Democracia. Por conseguinte, “A Europa Connosco”!
Portugal, Estado europeu. Sim. Portugal, Estado atlântico. Claro. Assim no-lo dita a nossa Geografia e a nossa História.
Nada mais natural, por consequência, do que assentarmos, por igual, a nossa especificidade europeia no arcobotante da atlanticidade. Tudo isto se foi exercitando na propositura política e na governação de Mário Soares, com a execução brilhante e inspiradora dos seus ministros dos Negócios Estrangeiros, de Medeiros Ferreira a Jaime Gama – ambos açorianos, isto é, ambos europeus do atlântico.
Não houve tempo, nem chegara o tempo, para a formalização de uma organização que reunisse “o Mundo que os portugueses criaram”, durante os mandatos de Mário Soares, como primeiro-ministro e como Presidente da República. Mas foi durante o seu IX Governo Constitucional que, num discurso na cidade da Praia, em Cabo Verde, o então seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, em 1984, proporia a constituição e o desenho institucional, hoje vigente, de uma Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Doze anos depois, a CPLP materializou-se. Estava lançado o arcobotante da Lusofonia. Foi durante o XIII Governo, presidido por António Guterres.
Portugal é um País sem o qual o Mundo não seria igual. Devemos a Mário Soares a lembrança, insistente, constante da nossa vocação e da nossa projeção universal. Por isso, ele percorreu o Mundo, como nosso procurador, ajudando ao nosso reconhecimento. Não me recordo de alguma vez ter ouvido Mário Soares definir Portugal como “um País pequeno”. E Portugal é, na realidade, um país de escala mediana, no concerto mundial. Mário Soares nunca pertenceu à categoria dos dirigentes portugueses que diminuem o nosso País no concerto das nações, para justificarem a mediocridade da sua própria ação e ambição e dos seus resultados.
Senhor Presidente da Assembleia da República,
Vossa Excelência disse, numa frase feliz, que Mário Soares mais do que o militante número um do PS foi “o militante número um da democracia” portuguesa. É verdade. Como Presidente do PS, isso orgulha-me!
Mário Soares não foi só o homem que lutou pela democracia no tempo daquilo que foi, literalmente, o nosso “Ancien Régime”, no sentido histórico da expressão, e que por ela batalhou, dentro e fora de portas, no tempo difícil da formação da Segunda República. Foi, porfiadamente, um lutador pelo seu aprofundamento nas suas dimensões económica e social.
Mário Soares desafiou as regras do “Príncipe” na Política. Foi perfeito e imperfeito. Foi ousado e cometeu imprudências. Apostou e ganhou. Apostou e perdeu. Foi fraterno e foi difícil. Nunca foi, porém, desinteressante e muito menos irrelevante. Nunca faltou ao seu País. Era cosmopolita. Foi sempre universalista…
Foi sempre, por conseguinte, um Grande Português!
Viva Mário Soares!
Carlos César