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OS VALORES E AS AMEAÇAS

OS VALORES E AS AMEAÇAS

Um dos grandes desafios que hoje o mundo atravessa é conseguir derrotar, em tempo útil, o fanatismo e os radicalismos. As nossas sociedades, todas as suas instituições e organizações, deveriam despertar para esta realidade e mobilizar todos para uma pedagogia assente nos valores humanistas da solidariedade e da tolerância, património indiscutível da União Europeia.

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Mas também é preciso ir ao fundo das causas dessas ameaças e fazer o que estiver ao nosso alcance para contribuir para criar sociedades livres, com empregos decentes e perspetivas de futuro. Se falharmos nestes objetivos, as ruturas continuarão a causar instabilidade, pobreza, migrações forçadas, xenofobia, sofrimento.

Grupos extremistas como o Daesh e a Al-Qaeda conseguiram espalhar a sua mensagem de ódio e desprezo pela vida humana. Muito particularmente, a expansão do Daesh está na origem de muita da instabilidade provocada em países em torno da Síria e no Iraque, mas também na União Europeia, causando divisões, tensões e egoísmos, enquanto as pessoas que realmente precisam de ajuda e solidariedade continuam à espera de uma solução para as suas vidas.

Se as nossas sociedades abdicarem da defesa da dignidade humana, da solidariedade e dos direitos fundamentais, então ficarão também bastante mais vulneráveis às tensões, conflitos e à desagregação, como tem sido visível na Europa nos últimos tempos e de que o Brexit é um exemplo preocupante. É por isso fundamental que também as Nações Unidas tenham os meios adequados, eficácia no funcionamento das suas estruturas e uma liderança à altura para cumprir as suas muitas missões, e assim tornar o mundo menos permeável e vulnerável às crises. Mesmo sabendo dos imensos constrangimentos que as Nações Unidas têm no seu funcionamento, a eleição de António Guterres para Secretário-Geral, pela sua visão do mundo e sentido humanista, pode, de facto, dar um importante contributo para a paz e a estabilidade no mundo e para os muitos desafios da atualidade, da promoção do desenvolvimento sustentável ao combate à fome e à pobreza.

Mas seria também muito importante se um conjunto de países, que todos sabem mais ou menos quais são, abandonassem o seu cinismo na geopolítica global, que parassem com alguns dos comércios de armas que alimentam conflitos e deixassem de bloquear soluções capazes de gerar paz e estabilidade, de que o conflito na Síria ou o bloqueio a uma solução justa e aceitável ao processo de paz entre Israel e a Palestina são dois exemplos maiores.

O mundo enfrenta atualmente a maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial, com mais de 65 milhões de pessoas deslocadas em todo o mundo. Um drama que também atinge duramente a Europa, com milhares de migrantes a procurar um porto seguro, fugindo da guerra, da repressão e da pobreza. E aqui, particularmente a União Europeia, pode fazer muito mais para levar a que os valores da solidariedade e da tolerância sejam assumidos e respeitados como parte integrante do património humanista da construção europeia. Daí que não seja aceitável que alguns países rejeitem estes valores com argumentos que escondem comportamentos nacionalistas e xenófobos, enquanto outros estão a rebentar pelas costuras com consequências imprevisíveis quanto à instabilidade que podem causar, como por exemplo a Turquia.

Se nestas crises a União Europeia não consegue fazer valer os seus valores, então também corre o risco de perder a sua capacidade de ser uma referência ética a nível global.

Não é aceitável que milhares de seres humanos continuem a viver em campos de refugiados miseráveis ou que mais de 10 mil crianças desacompanhadas tenham pura e simplesmente desaparecido depois de terem chegado à Europa, alimentando o tráfico de seres humanos e mesmo as redes terroristas. Tal como não é aceitável que muitos traficantes continuem a prosperar enquanto milhares de pessoas continuam a morrer quase diariamente no mediterrâneo.

Seria, fundamental, por isso, que as sociedades europeias fizessem uma pedagogia sólida e convicta para que, na medida das possibilidades de cada um, os migrantes pudessem ser aceites e bem integrados, como forma de travar os populismos e a xenofobia, que são os maiores inimigos da coesão interna a nível nacional.

Os muros que, entretanto, foram erguidos ou estão em perspetiva são uma vergonha para o mundo, sejam eles construídos nas fronteiras europeias, em Calais, nos Estados Unidos, em Israel ou em qualquer outra parte do mundo. Os muros são o símbolo da incapacidade para o diálogo e para a tomada de decisões com sentido humanista.

Uma das melhores maneiras de acabar com as muitas ameaças que hoje o mundo vive, seria pôr fim ao cinismo e à hipocrisia que reina em muitas das potências, globais ou regionais. O mundo precisa de uma nova consciência.