Os talentos
Os governos, em Portugal, tendem a olhar o Parlamento como uma entidade longínqua, que eles observam da bancada frontal e com quem trocam animosidades ou cumprimentos de circunstância. Nunca lhes passou pela cabeça que a grande negociação para aprovar linhas de conduta tem agora que ser feita com o Parlamento. Quando ocorriam jornadas parlamentares, os governantes apareciam lá como convidados, conferencistas doutos, se não mesmo pastores em pregação. Tudo terá que ser diferente, agora.
A mudança nasce da forte dependência atual do Governo em relação à maioria parlamentar. Por um lado, a maioria é inorgânica, divide-se em três correntes. Por outro lado, cada corrente conta para o apoio necessário. O que obriga os governantes a terem que aprender o que só alguns tenham escassamente praticado: a negociação com todas as forças representadas, quer da oposição, quer as que é suposto apoiarem o Governo. Uma grande viragem cultural. Certamente os membros do atual Governo, em geral bem selecionados e gozando ainda de respeito alargado de fora da maioria, são suficientemente inteligentes para terem antecipado esta mudança e se terem preparado para ela. Não basta saber como dirigir a administração, o que provavelmente será até coisa nova para alguns. Vão ter necessidade de discutir as medidas mais importantes e agudas com parceiros de apoio crítico. O que exige conhecimento profundo dos problemas, espírito de abertura e imensa paciência. O mais fácil de alcançar será o primeiro dos condimentos. O segundo só se aprende com os primeiros erros. E a terceira cultiva-se. Dir-me-ão que alguns nascem já talhados para a arte negocial. Ainda bem. Mas advirto que toda a experiência passada conduz a comportamentos onde a autoridade tende a superar a impaciência.
Não devemos desesperar com as primeiras delongas e alguns fracassos iniciais. O ser humano aprende mais com as consequências do erro que com a docência dos anciãos. Haverá decisões escusadas e saídas em falso. O importante será o conhecimento dos dossiers, a humildade na postura e a focagem em metas e objetivos. Muitos problemas podem esperar, pelo que o tempo nem sempre será a variável crítica. Mas convém não abusar. Não haverá segunda oportunidade se a primeira falhar. Os talentos necessários cultivam-se e levam tempo a adquirir.