Os direitos das mulheres são direitos humanos
A pergunta é recorrente e permanece na mente de muita gente: faz sentido haver um dia internacional da mulher? A minha resposta é clara: faz, enquanto as mulheres ganharem menos que os homens e dedicarem três vezes mais horas que os homens às tarefas domésticas. Faz sentido enquanto as mulheres estiverem sub-representadas na vida política e na atividade económica. Faz sentido enquanto existir o “teto de vidro” que impede as mulheres de chegarem onde reside o poder. E faz mais sentido ainda em tempo de pandemia.
Segundo António Guterres, num memorável discurso na sessão de Abertura do Conselho de Direitos Humanos, “nenhum flagelo dos direitos humanos é mais prevalente que a desigualdade de género”. Com a pandemia, a igualdade de género retrocedeu anos. Por causa da Covid19, as mulheres foram sobrecarregadas com trabalho doméstico. Confinadas o dia inteiro e todos os dias da semana com o agressor, muitas mulheres sofrem como nunca o horror da violência doméstica. Como acontece em tempo de crise, as mulheres são as primeiras a ir para o desemprego e a perder recursos. “Nada disto acontece por acaso. É o resultado de gerações de exclusão”, acrescenta o Secretário-geral da ONU, concluindo que “o modo como uma sociedade trata metade de sua própria população é um indicador significativo de como ela tratará os outros.”
E o resultado da forma como a sociedade trata as mulheres está à vista. Não precisamos de provas, para saber que são femininos os rostos da pobreza e do analfabetismo. Que a partilha das responsabilidades familiares entre mulheres e homens continua a ser muito desigual. Que são muitas as horas não remuneradas que uma mulher dispensa para cuidar dos filhos, tratar das lides domésticas ou tomar conta dos familiares doentes ou idosos, pelo que tem mais dificuldade em conciliar a vida profissional com a vida familiar e em progredir na carreira. Sabemos que as mulheres estão ainda largamente representadas em profissões com baixos salários e pouco prestígio social e sub-representadas nos cargos de decisão. Por isso, também as reformas das mulheres são, em média, mais baixas que as dos homens.
Quando me perguntam se senti que, ao longo da minha vida, fui muitas vezes discriminada, costumo responder que é natural que tenha sido e que, porventura, também terei sido beneficiada pelo facto de ser mulher. Mas não é preciso ter sido discriminada para saber que existe discriminação, assim como também não é preciso viver abaixo do limiar da pobreza para saber que há pessoas com fome. Sei que, não obstante haver hoje mulheres que são presidentes da República e primeiras-ministras e termos, pela primeira vez na história dessas instituições, mulheres a presidir à Comissão Europeia e ao Banco Central Europeu, as mulheres continuam a ter de dar provas de mais competência que os homens para ocupar os mesmos lugares. A vida das mulheres é um teste permanente. Têm de lutar contra os preconceitos sociais e os estereótipos vigentes na sociedade quando se candidatam a um emprego ou quando assumem maiores responsabilidades. Quando uma mulher é nomeada para uma função importante, há sempre alguém que comenta: «espero que seja competente». Se for um homem, dá-se por adquirido que é competente. Como dizia uma feminista americana: «só haverá verdadeira igualdade de género quando se reconhecer a uma mulher incompetente o direito de ocupar um lugar de poder».
Nessa altura, talvez já não faça sentido festejar o valor simbólico do dia internacional da mulher.