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OGM em debate na AR

OGM em debate na AR

O “princípio da precaução” continua a ser considerado pela maioria dos cidadãos europeus como essencial para a construção de democracias robustas.

Opinião de:

OGM em debate na AR

O debate sobre os possíveis riscos dos OGM teve o seu início na conferência de Asilomar em Fevereiro de 1975, onde este tema foi considerado por muitos como a nova “caixa de Pandora”. A analogia com o que tinha acontecido umas décadas antes com as aplicações da energia nuclear era óbvia.

Passados mais de 40 anos, a controvérsia continua frustrante pelas inverdades e exageros dos que são a favor e contra a sua produção e consumo.

A tecnologia introduzida em 1975, denominada de “ADN recombinante” consistia em conseguir, finalmente, alterar de forma muito mais minuciosa a constituição genética de microrganismos, plantas e animais. A grande novidade estava na possibilidade da escolha deliberada dos genes a introduzir ou a eliminar.

Hoje sabemos que a constituição genética dos seres vivos se tem alterado de forma dramática desde que existe vida na terra. De todas as espécies que apareceram no nosso planeta, mais de 99,9% já desapareceram, ou porque não sobreviveram, ou porque evoluíram para outras espécies. E, nos últimos milénios, tanto a agricultura como a pecuária, não só continuaram a “melhorar” a constituição genética, usando técnicas clássicas de hibridização e/ou de mutações induzidas, como introduziram muitas novas espécies essenciais à alimentação europeia atual (1).

Portanto o debate atual no caso da agricultura não é a alteração genética dos seres vivos, mas sim a tecnologia utilizada para essa alteração. Mais precisamente, a perceção dos riscos envolvidos na utilização da (já não tão) nova tecnologia. Assim como o dos riscos associados para a biodiversidade dos ecossistemas e ao dos possíveis monopólios agrícolas.

Curiosamente, são muito poucos os que não têm consciência de que a introdução de novas tecnologias, ou novos produtos, introduzem também riscos que podem não ser fáceis de avaliar quando comparados com os benefícios. Continuamos sem certezas sobre o efeito de telemóveis em crianças, ou dos cabos de alta tensão nas populações que vivem por baixo desses cabos. O debate sobre o colesterol elevado surge com uma frequência regular nos meios de comunicação. E sabemos que os automóveis matam muito mais gente do que os aviões, mas são muito mais os que receiam andar de avião do que de carro. Finalmente, todos sabemos que o tabaco mata, mas parece que dá prazer e a sua venda a adultos não é proibida.

No caso dos OGM, as reticências são diferentes quando aplicadas à produção de fármacos (p.ex. insulina), grãos como o milho, o trigo ou o arroz para a alimentação, ou até animais para estudos clínicos (moscas, ratinhos, coelhos etc).

Centremo-nos na produção de grãos para alimentação. Os que são a favor dizem-nos que será a única forma de acabar com a fome e de alimentar os 9 ou 10 mil milhões de humanos que habitarão o nosso planeta em meados deste século. Será que desconhecem o facto de que a fome tem muito menos a ver com falta de comida e mais a ver com a pobreza e uma distribuição injusta? Mas os que são contra, invocam os possíveis efeitos nocivos sobre a saúde humana. Será que desconhecem que há décadas que esses transgénicos são utilizados por centenas de milhões de humanos, sem que a literatura científica credível consiga comprovar os efeitos tóxicos dos genes introduzidos?

E também não duvido que, se em vez de focarem a sua atividade na resistência a pragas as multinacionais tivessem dedicado o seu esforço à produção de grãos mais nutritivos (caso do arroz “dourado”), muita desta controvérsia teria certamente sido evitada.

No que diz respeito à biodiversidade, existe efetivamente o risco de ela ser muito afetada pela introdução de espécies transgénicas mais robustas. Mas o mesmo se poderia dizer em relação a híbridos mais robustos. E que dizer do facto de a batata, o milho, o tomate e o arroz só terem sido introduzidos na Europa há uns séculos? Não afejtaram de forma dramática a agricultura, a cozinha tradicional e os ecossistemas europeus?

Obviamente que os interesses económicos e financeiros são gigantescos. Mas aí também existem interesses dos dois lados. Tanto as grandes firmas que produzem transgénicos, como as que produzem híbridos ou cruzamentos da forma tradicional, querem obviamente proteger e controlar os seus mercados.

E cuidemos melhor do uso das palavras. Todos sabemos que o mercado dos “biológicos” tem crescido significativamente. E ainda bem! Devemos encorajar a diversidade da oferta. Mas “sugerir” que os transgénicos possam não ser produtos biológicos não é credível. Suspeito que o objetivo era o de afirmar que estes produtos não surgiram “espontaneamente” na Natureza e que, por não serem “naturais”, deveriam ser suspeitos. Mas conferir à Natureza algo de divino pode ser perigoso. O que pensar das vacinas, dos transplantes, da procriação medicamente assistida, ou da interrupção voluntária da gravidez? Deveriam ser proibidos por não serem “naturais”?!

Sou claramente contra monopólios e devemos fazer tudo para os impedir e para garantir a biodiversidade das espécies e sementes que gostaríamos de preservar, mas usemos argumentos mais sólidos e estratégias mais sofisticadas! Ironicamente, os transgénicos até podiam ser usados para aumentar essa biodiversidade.

“Princípio da Precaução”, sim … sempre! “Combater monopólios”, sim … sempre! “Fomentar a agricultura local”, sim … sempre! Mas usemos argumentos racionais e verdadeiros.

(1) O “melhoramento” das espécies vegetais e animais consistia em, através de cruzamentos ou de mutações induzidas (quimicamente ou radioativamente), obter novas variedades mais resistentes a pragas ou mais eficientes na produção de alimentação. E a batata, o milho, o arroz e o tomate não existiam na Europa antes da era dos descobrimentos.