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O IRRAZOAVEL JOGO DAS SANÇÕES

O IRRAZOAVEL JOGO DAS SANÇÕES

Os diligentes membros da Comissão Europeia não descansam nesta história das sanções. E todos os dias os comissários ou os seus porta-vozes lá vão mantendo viva a possibilidade de serem aplicadas sanções a Portugal, agora falando mais na modalidade da suspensão de alguns fundos estruturais. Os mesmos fundos que são fundamentais para o desenvolvimento local, regional e nacional. Mas só lá para Setembro é que a decisão será tomada pelo Parlamento Europeu, que obviamente pode rejeitar a proposta. Faltará depois, ainda, que o Conselho se pronuncie. Assim, há uma boa probabilidade de as sanções a Portugal serem o tema deste Verão que se anuncia a escaldar.

Opinião de:

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Vamos todos, portanto, ou os que poderem, para a praia a pensar nessa espada de Dâmocles que está pronta a cair sobre a cabeça da nação. Não daremos um mergulho sem pensar que os fundos estruturais para a região Algarve poderão ser suspensos; Não entraremos num restaurante sem pensar nos programas para a formação profissional que os empregados poderão deixar de ter, para desgraça da qualidade do trabalho.

O anúncio diário da possibilidade de aplicação das sanções tornou-se uma espécie de jogo de mau gosto, em que a Comissão Europeia parece ter perdido a noção da importância da defesa do projeto europeu. Num contexto de acentuado desamor dos cidadãos pela União Europeia, a Comissão muito particularmente dá-se ao luxo de diariamente martelar com a história das sanções a Portugal, enquanto o resto da nação, através da zelosa imprensa, lá vai participando neste jogo de autoflagelação.

É inaceitável que não se passe um dia sem que se fale de sanções, o que por si só constitui já uma forma de penalização do país. Seria importante, por isso, que pelo menos os zelosos funcionários europeus tivessem o cuidado de serem mais recatados quando se trata de falar destes temas que têm sempre um sentido de punição por mau comportamento. Mesmo que as sanções se referirem, sublinhe-se, à gestão do anterior Governo do PSD-CDS, de Passos Coelho e de Paulo Portas, entre 2013-2015. Seria, por isso, muito saudável que houvesse unidade nacional em torno da rejeição das sanções, que são insensatas, injustas e injustificadas. 

O senhor Schauble bem pode dizer que não se trata de uma “punição”, mas sim de um “incentivo”, o que certamente em nada contribui para gostarmos mais dele. O cinismo do senhor Schauble é, talvez, um dos sinais mais preocupantes do estado de saúde do projeto europeu. A Alemanha põe e o resto da turma dispõe, o que não será propriamente a melhor forma de alimentar o europeísmo.

Num contexto em que a Europa está literalmente cercada de problemas e de sinais muito preocupantes de erosão, a discussão sobre as sanções é verdadeiramente surpreendente. Da crise dos refugiados, à situação explosiva na Turquia, da insegurança que alastra com os atentados à perturbação que o Brexit vai trazendo diariamente, dos avanços preocupantes e perigosos da extrema-direita à degradação do sentido da democracia e da solidariedade na Europa.

Os zelosos responsáveis europeus acham agora que Portugal merece castigo, só agora, 160 vezes depois de haver situações de défice excessivo sem que tenha sido aberto qualquer processo de infração. É claro que é injusto e incompreensível. Com tanta incerteza e instabilidade no mundo e com um crescimento económico há tempo tão débil em todo o espaço europeu, é natural que os desequilíbrios voltem sempre a surgir nos Estados-membros. E depois lá se colocará a questão de novas sanções e lá estarão os países de novo uns contra os outros.

O pior que pode acontecer à União Europeia é deixar-se enredar em jogos que ponham uns países contra os outros, o que se tem vindo a acentuar, em claro prejuízo do projeto europeu.  Por isso, além de ser necessário reformar algumas regras europeias, seria também fundamental que a Europa pudesse regressar aos seus valores e princípios essenciais, entre eles o da solidariedade entre todos os seus membros.

É que esta questão das sanções não é apenas uma penalização para Portugal. É também mais um contributo para o afastamento dos cidadãos de uma ideia de Europa como projeto civilizacional. E isso é grave.