O dia seguinte
O primeiro, a sexta-feira 24, foi de loucura. Os dissidentes gemeram que tinha sido a brincar, desejavam ter novo referendo. Os abandonados encheram-se de raiva, exigindo aos primeiros que saíssem a sério e não voltassem. Puseram-lhes os tarecos à porta de casa e só não trocaram as fechaduras por elas serem muitas. Exigiram a notificação imediata do desejo de desquite, destituíram o comissário de funções, exigiram que a presidência do segundo semestre passasse à frente do Reino Unido. As duas equipas das Ilhas, Irlanda do Norte e Gales, na expectativa da cisão, foram tratadas com inexcedível carinho no campeonato europeu de futebol. Convenhamos que não sei se foi por pura má-criação, se foi por a Europa estar farta da chantagem de Londres. O desabafo “saiam de vez” cresceu na medida da iconoclástica votação. Claro que as bolsas não estarão sempre deprimidas, os ingleses têm o negócio no sangue e já devem estar a preparar os tratados que reponham tudo ou quase tudo do mercado único. Os dois anos de transição serão suficientes para arrecadarem a nata dos fundos que Bruxelas destina à Ciência, Inovação e Desenvolvimento. Ninguém melhor que eles para colher os frutos abandonados por Bruxelas e pelos países com preguiça para estender a mão e colhê-los. Irão entreter-nos com a diversão sobre se a notificação será esta semana ou só no final de setembro, espicaçando a nossa irritação. Estranhamente, direitas e esquerdas europeias unem-se no ódio a John Bull. A declaração conjunta que deverá ser hoje aprovada no Parlamento Europeu, subscrita por populares, sociais-democratas, liberais e verdes é um monumento de agressividade diplomática, se não for amaciada.
Por Londres reina a confusão nos dois grandes partidos. O Brexit abriu clareiras inimagináveis em ambos os partidos. Era de esperar nos conservadores, já que foram eles a tentar esconjurar o UKIP e Farage, com a sua fuga para diante. Mas que o Labour esteja em riscos de desmantelamento, com onze ministros sombra em fuga, já parece mais estranho. Não foi o Brexit, mas sim a falta de liderança.
Em Espanha, seis meses de crise prolongada parece terem serenado os espíritos. Gonzalez previdentemente havia fixado linhas vermelhas para esponsais duvidosos com o Podemos. Com a legitimação de um líder muito contestado, Rajoy, as coisas tornaram-se mais claras. O PSOE, que não perdeu tanto como se esperava, convém que se convença que nada ganhou e deve tocar pianinho. Deve deixar Rajoy governar até que passe a onda devastadora das autonomias convertidas em independências. Mas deve evitar embrulhar-se na governação, neste caso a purga far-lhe-á bem. Se ceder à tentação de partilhar governo terá, na melhor das hipóteses a morte lenta do SPD germânico; na pior, degenerar em Pasok. Juízo e caldos de galinha.
Os dias seguintes estão a ser uma espécie de “in vino veritas”, com a diferença que a verdade do vinho costuma surgir na libação, não na ressaca. Aqui a verdade, isto é, a queda das máscaras das burocracias e diplomacias está a prolongar-se. É preciso que o intervalo termine: “ the show must go on”.