O desenho do futuro
Os incêndios voltaram, as demissões estralejaram. O Presidente é aconselhado a aparecer menos, por uns, ou a deixar de ser muleta do Governo, por outros. Em pouco tempo esvaiu-se a harmonia, a paz dos bravos, os amanhãs radiosos. Como se regresso ao trabalho fosse igual a limpeza de armas.
> E todavia estamos a mais de um ano das primeiras eleições do horizonte, a paz social aparece firmemente prometida a relativo baixo custo, a Europa apresenta-se menos agressiva e o fantasma do défice começa a sentar-se conosco a tomar chá, com uma tranquilidade de conversa de titis. Tanta agressividade súbita cheira a fogo de artifício, preso e sincronizado com música.
Por detrás, o cenário de problemas continua pendurado, só as bambolinas alternam entre arvoredo e portas de saída e entrada de atores. O que causa estranheza. O consumo, diz-se, estagnou, mas os sinais exteriores são os do disparo. O investimento e o aforro regrediram, mas nunca se venderam tantos prédios por preço especulativo, nem se reconstruiram tantos como agora, nem as emissões da nova dívida pública têm que ser rateadas em proporção tão elevada. A balança comercial tenderia a inclinar-se para o desequilíbrio, mas o turismo apresenta-se pujante e até as remessas aumentam. O calçado vai fechar o ano com dois mil milhões de exportações e a agroindústria não pára de contradizer a velha tese da destruição do setor agrícola pela submissão europeia. Como se a economia real estivesse apostada em desfeitear os indicadores clássicos. Ao ponto de Governo e Presidente anteciparem em uníssono previsões otimistas, para o semestre restante. Que se passa, afinal?
Pequena economia, pequenos números, qualquer mudança fora da tendência força a desvios bruscos, erráticos. Como na mortalidade infantil, se não fizermos a leitura por agregados trienais, os cada vez mais pequenos números induzem a acreditar alternadamente, ou no desastre, ou na súbita recuperação, quando nenhuma das alternativas é a verdadeira.
Estamos em boa altura de pensar melhor os instrumentos da pilotagem económica. Os que temos são apenas granadas de proximidade adequadas à refrega política, mas de escassa utilidade para o desenho do futuro.