O caminho não é radicalizar mas atualizar a social-democracia
Em relação às eleições que vão acontecer em vários países europeus em 2017, Santos Silva lembra as que vão ter lugar em países tão importantes e estratégicos para a União Europeia, como as que decorrerão na Holanda e em Itália, mas também em França e na Alemanha, mostrando-se sobretudo preocupado com as mais recentes sondagens nos Países Baixos, que dão a extrema-direita a liderar as intenções de voto.
Mas são sobretudo as eleições que terão lugar em França e na Alemanha que merecem, nesta entrevista, uma especial atenção por parte do ministro português dos Negócios Estrangeiros, considerando-as como “absolutamente essenciais” para o futuro próximo da UE, lamentando que o eixo franco-alemão “já não esteja a funcionar como devia”.
Segundo Santos Silva, este facto tem trazido grandes disfunções ao funcionamento da Europa, acarretando consigo, como refere, “um grande sofrimento a todos nós”, porque, como justifica, grande parte da “pujança europeia” resulta ainda hoje da existência de um eixo que era muito forte e equilibrado no domínio institucional e económico, como era o eixo franco-alemão, compensado pelo equilíbrio de um outro eixo “também muito forte e importante”, o eixo franco-britânico, ambos contribuindo para os necessários equilíbrios quer no domínio político e institucional, quer sobretudo ao nível da segurança e da defesa.
Ora, como sustenta Santos Silva, sobretudo a partir da crise de 2008, o eixo franco-germânico “tem vindo a desequilibrar-se”, empurrando a Europa para uma circunstância de “unipolaridade alemã” em vez do desejável equilíbrio “mesmo entre os grandes países europeus”.
Clarificar as políticas
Já quanto ao que se passa com os partidos socialistas do sul da Europa, Augusto Santos Silva defende que existem hoje em Espanha, em relação ao PSOE, “limites objetivos” para a sua atuação na liderança, lembrando a propósito a “profunda divisão” em que se encontra a sociedade, uma divisão que, segundo o titular da pasta dos Negócios Estrangeiros, acarreta consigo não só consequências de natureza constitucional, como de ordem económica e social.
Santos Silva lembra que, apesar de o crescimento económico espanhol estar a crescer acima da média europeia, o país debate-se com níveis de desemprego próximos dos 20%, o que se traduz, como refere, que entre um quarto e um quinto da população “pura e simplesmente” não tem trabalho, polarizando uma divisão na sociedade entre o PP, de direita, e o Podemos, à esquerda, colocando o PSOE em grandes dificuldades, não deixando contudo de imputar ao anterior secretário-geral dos socialistas espanhóis, Pedro Sánchez, o ter “cultivado durante muito tempo uma linha política que não era totalmente clara”.
Para Santos Silva existem duas grandes diferenças entre a situação portuguesa e a espanhola. Desde logo, como aludiu, a relação de forças “é completamente diferente”, porque o PS em Portugal, como acentua, foi capaz de negociar com os partidos à sua esquerda, que valiam, eleitoralmente, “cerca de um terço do que o Partido Socialista valia e vale”, e, em segundo lugar, acrescenta ainda o ministro dos Negócios Estrangeiros, porque em Portugal “não há nenhuma divisão à esquerda que tenha que ver com questões de natureza institucional”.
“Nós somos uma república”, disse ainda Santos Silva, não havendo entre o PS, o Bloco e o PCP “nenhuma questão em matéria de natureza de regime”, como não há também, como referiu ainda, nenhuma divisão quanto à integridade territorial do país ou em “relação aos poderes entre os diferentes órgãos de soberania”.
Social-democracia não tem de radicalizar à esquerda
Augusto Santos Silva teve ainda ocasião, nesta entrevista ao DN, de falar sobre a social-democracia e o caminho que defende para a esquerda democrática em Portugal e na Europa, refutando a tese, defendida por alguns dirigentes da “família socialista europeia”, que a solução política que deve ser adotada pelos partidos socialistas e sociais-democratas da Europa é “radicalizar à esquerda”.
Para Santos Silva, não é através da análise simplista de considerar que o programa clássico da social-democracia está esgotado, empurrando-o para a radicalização, como está a suceder, por exemplo, com o Partido Trabalhista na Grã-Bretanha, o Labour, que as melhores soluções políticas, económicas e sociais, podem surgir para a Europa.
É insistir no programa clássico da “social-democracia verdadeira”, como tem vindo a ser praticado e cumprido no centro e no norte da Europa, que os resultados surgirão. Social-democracia, como lembra Santos Silva, que tem muitas designações, uma vez que nos países anglo-saxónicos se chama trabalhismo, nos países do sul da Europa se chama socialismo, nos Estados Unidos são os democratas, enquanto no Canadá são os liberais.
Do que se trata, defende o governante português, não é radicalizar, mas de “atualizar a social-democracia” europeia, ocupando “à nossa maneira” o terreno que o populismo tem conquistado, criando assim “alguma lógica também de antissistema”, sempre com a preocupação, como defende, pelas necessidades de segurança das populações.
Santos Silva referiu-se ainda ao Executivo liderado por António Costa, afirmando tratar-se de um “Governo de centro-esquerda”, que num ano de mandato não pôs em causa, “em circunstância nenhuma”, a sua própria orientação fundamental de partido pró-europeu, respeitador dos compromissos na zona euro, empenhado na consolidação orçamental e no diálogo social, repondo os rendimentos de quem trabalha, e em fazer “regressar o país à normalidade constitucional”.