O CAMINHO FAZ-SE CAMINHANDO
A maioria coerente e consistente, como lhe chamou o primeiro-ministro, não vai abrir brechas, porque o BE também não está dissonante. A questão da energia não passou de um arrufo de namorados. O poeta diria que o caminho faz-se caminhando. O líder comunista sublinhou, contudo, que na legislatura seguinte pode não ser necessária uma posição conjunta, o que não significa, em meu entender, que não possa continuar a haver convergência na esquerda. Em nenhum passo da entrevista de Jerónimo se diz que o acordo está comprometido. A forma como ele se concretiza é que pode variar. Mas não é líquido que assim seja. O secretário-geral do PCP não foi taxativo, perentório. Limitou-se a dizer que poderá não ser necessária uma posição conjunta. Penso que esta questão é prematura. Falar da segunda legislatura, sem a primeira ter acabado, é, se me permitem a imagem, pôr o carro à frente dos bois. Com o Orçamento já aprovado, o futuro perspetiva-se sem grandes sobressaltos, como, aliás, tenho vindo a dizer.
No megajantar de segunda-feira, que assinalou os primeiros dois anos do Executivo do PS, em ambiente festivo, Costa disse que podem dizer que o acham um pouco cansado, mas nunca me faltarão a vontade, a força, a determinação e as ganas para lutar pelo PS e seu Governo, pelo país e pelos portugueses e portuguesas! O líder socialista, com esta declaração de princípios, passe a expressão, seria aplaudido de pé, aos gritos PS, PS, PS! Uma estrondosa ovação perpassou pelo Pavilhão Casal Vistoso, em Lisboa, onde ocorreu o jantar.
Na entrevista à Antena 1, o primeiro-ministro mostrou-se convicto de que o diálogo com a nova liderança do PSD, qualquer que seja, será mais fácil do que foi com Passos. Este negou a acusação dizendo, sim, que foi o PS quem fez uma política de terra queimada em relação ao PSD. Nada mais falso. A inversa é que é verdadeira. Basta atentarmos na recente afirmação do medíocre líder parlamentar, Hugo Soares, de que, mesmo que o PS aceitasse todas as nossas propostas, o PSD votaria contra o OE! Isto diz tudo, deixando, também, sérias dúvidas sobre as convicções democráticas do atual PSD. E a nossa oposição continua, infelizmente, agarrada a questões menores, como a dos entrevistadores pagos, após o Conselho de Ministros Extraordinário em Aveiro, no domingo, dando cada vez mais razão a Costa que diz serem o PSD e o CDS especialistas em tricas e birras. Os problemas de fundo passam ao lado da oposição. Nunca põe em cima da mesa o que interessa verdadeiramente ao país, cujo futuro ignora.
Cremos, também, que o diálogo será, sem dúvida, mais fácil com a nova liderança do PSD. Mas por muito frutuoso que seja penso que não deverá pôr em causa, de forma alguma, a atual solução política. É a que melhor serve os interesses de Portugal e dos portugueses, designadamente dos mais desfavorecidos. A política, no sentido nobre da palavra, só tem razão de ser se for dirigida aos mais carenciados. Quem melhor do que a esquerda para alimentar esse desígnio?
Falando do acordo, Vítor Ramalho, que vai lançar um livro sobre Mário Soares, procura incutir na opinião pública a ideia de que o ex-Presidente seria contra a ‘geringonça’. Numa notícia que li sobre o livro, Ramalho diz que, apesar de lúcido, Soares nunca teve uma palavra sobre o acordo de esquerda! “O que, acrescento, só tem uma leitura: era contra ele ou, pelo menos, não o apoiava”! O próprio título da notícia, “Soares, detonador de sobressaltos”, pode indiciar que o ex-líder do PS desejaria, se fosse vivo, o fim da ‘gerigonça’. Nada disto, porém, é verdadeiro. A história foi falseada. Há que a repor com verdade e rigor. João Soares esclarece: quando se fez o entendimento à esquerda, o meu pai já não estava, infelizmente, em condições de perceber o que se passou. Portanto, não comentou nem podia. Note-se, digo eu, agora, que as últimas declarações de Soares foram no sentido de o PS fazer acordos com a esquerda, pelo que não será nada abusivo deduzir que, se fosse vivo, apoiaria a solução política que vigora. Acresce que, nos últimos anos da sua vida, o ex-Presidente manteve uma relação privilegiada com Francisco Louçã, ex-coordenador do Bloco, e Carvalho da Silva, ex-coordenador da CGTP. Houve, de igual modo, militantes comunistas, já falecidos, que foram homenageados na Fundação Mário Soares pela sua luta antifascista, em defesa da democracia. Ressalta à vista, face ao que foi exposto, que a tese de Vítor Ramalho sobre Mário Soares é uma mentira. Soares foi sempre fixe.