O arcaísmo do debate orçamental
Se se disser a qualquer entidade pequena, entidade pública ou privada, que os telefones deixam de ter rede quando entramos num elevador ou quando descemos ao estacionamento; que em grande parte do espaço parlamentar é muito difícil fazer correr uma imagem youtube que advenha de uma qualquer rede social ou blog, estamos a falar toda a verdade, mesmo que seja pouco credível tendo em conta o tempo que vivemos.
Se se disser que os deputados ainda justificam as faltas em papel, mesmo que disponham de um sistema de chave eletrónica e que nessa chave façam seguir requerimentos e iniciativas legislativas, também não será fácil que acreditem no que dizemos, mas é tão só a verdade.
Se se disser que um deputado pode gastar dezenas de euros em correio tradicional para remeter a sua atividade parlamentar a umas dezenas de pessoas, mas não pode gastar reduzidos euros para adquirir um veículo de promoção em rede social, que chegaria a dezenas de milhar de cidadãos, também não acreditarão nas nossas palavras.
Enfim, há uma imensa lista de questões, de natureza regimental, estatutária, organizacional e de vontade que fazem com que a AR tenha vindo a ficar mais “lenta” desde o final do século passado.
Mas não era sobre o funcionamento global do parlamento que gostaria, por hoje, de vos falar. Sim sobre o tempo que levamos a discutir e a fazer aprovar o Orçamento do Estado.
O Orçamento entra no parlamento até 15 de outubro e a sua redação final fica concluída a 15 de dezembro. São dois meses, tantos quantos eram quando não havia computadores, internet, dados on-line, televisões 24/24, centros de estudos a debitar análises, Unidade Técnica de Apoio Orçamental, Conselho de Finanças Públicas… bem como quando o mundo era a preto e branco.
Os portugueses pensarão que a AR inicia a discussão com a apresentação pelo governo em plenário. Errado. Esse debate só acontecerá, este ano, nos dias 3 e 4 de novembro, 18 dias depois da entrada. E porquê? Porque a Comissão de Orçamento só ouve o Ministro das Finanças no dia 25 de outubro e o ministro da segurança social no dia 26.
Dizem-me que tudo isto tem uma justificação – a necessidade de cada comissão elaborar e fazer aprovar um relatório sobre a proposta de lei. Aqui está uma das minhas discordâncias quanto ao trabalho parlamentar – os relatórios das iniciativas, a maior parte deles sem opinião desenvolvida do deputado relator, quase não servem para nada, muitos são perda de tempo, quase um ataque à nossa inteligência. Aposto em como não haverá 5% dos deputados que tenham lido, sequer, o relatório da comissão-mãe do processo orçamental.
O debate orçamental deveria iniciar-se no dia 16 de outubro (ou no primeiro dia útil da semana seguinte) e deveria terminar até ao dia 31 de outubro. Os deputados e o parlamento deveriam trabalhar ao fim de semana, bem como os funcionários, até porque estes recebem um subsídio de disponibilidade que lhes permite quase duplicar o salário.
Dispensada a primeira ronda de audições, apresentado o Orçamento pelo governo, ouvidos os ministros do planeamento, a propositivo das grandes opções do plano, das finanças e em seguida todos os restantes, os partidos deveriam apresentar, nesses dias, as propostas de alteração. O debate e a votação das propostas de alteração seriam exclusivos da Comissão de Orçamento e só a votação final seria feita pelo plenário no debate final.
Com tudo isto o parlamento seria mais eficaz, seria mais respeitado. Em suma, não manteria o país a discutir orçamento durante três meses.
Está claro que ao ganharmos tempo com a discussão do Orçamento do Estado teríamos que o ocupar com boas causas e boas discussões. Mas como as legislaturas são cada vez mais o tempo de discussão de pífios Projetos de Resolução, também teríamos que mudar muitas outras coisas. Mas isso são outros quarenta…