Nossa Senhora de Paris
Nossa Senhora de Paris, lírico espécime de arte gótica, cuja construção teve início no ano de 1163, foi permanecendo debaixo da lente dos Multiversos e resistindo às intempéries humanas. A sua construção deve-se às ambições e misteres da burguesia parisiense de então. O local escolhido é de uma discrição absoluta para a época, a ponta Este da poética Ilha da Cidade, contornada pelas águas do rio Sena. Para ali convergiram, durante 856 anos, todas as raças humanas que palmilharam Paris.
Murmura a lenda que aqueles terrenos são sagrados, pois, tanto os celtas, quanto os romanos, e os cristãos (estes, por volta de 528 d.C., ergueram no local a basílica de Saint-Étienne, projetada por Quildeberto I) ali sublimavam as suas solenidades.
Atestando a antiguidade da construção de Nossa Senhora de Paris, podemos atentar para alguns factos históricos: 1) No ano de 1163, Afonso I, o Conquistador, ainda não tinha recebido a bula papal “Manifestis Probatum”, “através da qual o Papa Alexandre III reconhecia, por fim, a independência de Portugal”; 2) Nácer Salá Adim Lúçufe Ibne Aiube (Saladino), grande protagonista de um período de lendas que circularam por todo o Oriente Médio e a Europa, bastião tutelar da cultura islâmica, estava no auge da sua defesa pelos ideais dos povos muçulmanos; 3) Ricardo Coração de Leão contava apenas 6 anos de idade; 4) Hildegarda de Bingen (Sibila do Reno), a primeira de uma sucessão de senhoras influentes na literatura, na música, na política e na religião, estava a meio da criação das 77 composições da sua sublime “Symphonia armonie celestium revelationum”; 5) Leonor da Aquitânia, mãe de Ricardo Coração de Leão, era já Rainha da Inglaterra, depois de ter sido, durante 15 anos, Rainha Consorte da França; 6) Genghis Khan, o Primeiro Grande Cã do Império Mongol, recém havia completado 1 ano de idade.
Depois de quase dois séculos de edificação, tendo passado pela mão de um grande número de arquitetos, cujos traços se notavam nas diversas dissemelhanças estilísticas que pontilhavam por todo o conjunto, Nossa Senhora de Paris, foi dada por concluída.
Durante a sua existência, o seu acervo foi sendo enriquecido com peças não arquitetónicas, entre elas, a túnica de Saint-Louis e o fragmento da coroa de espinhos com a qual Jesus Cristo teria sido coroado. No que trata à arquitetura são inúmeros os espécimes importantes a apontar, mas, fiquemo-nos apenas pelas três janelas de rosáceas medievais, a ocidental, do ano de 1225; a norte, de 1250; e a sul, também desse mesmo ano.
Quando ainda estava em construção, os cavaleiros medievais, durante as Cruzadas, iam rezar e pedir proteção, antes de partirem para o Oriente. Três dezenas de Reis; a Revolução Francesa; a coroação, como Imperador, de Napoleão Bonaparte; duas guerras mundiais; entre outros acontecimentos, também desfilaram diante daquelas paredes.
Neste século XXI, a partir de um ano que virá, certamente, sob o olhar atento das gárgulas, do espírito de Maurice de Sully, e dos antigos habitantes de Lutécia:
Quasímodo voltará a sentar-se num dos madeirames que suportarão a novel geração de Bourdon Emmanuel, ou prostrar-se-á na janela de uma das torres, atento, a observar as deformidades daqueles que calcorrearão seus pés.
Enquanto isso, a uma certa distância, acomodado num velho barco de fundo chato, atracado numa das margens do Sena, Victor Hugo cofiará o bigode e ameigará a barba, justapondo pensamentos acerca da ansiedade que sempre corroerá as almas. Quem melhor do que ele para garantir que o livro de pedra será reescrito. Ansiosamente, aguardamos o novo dia celeste dessa Catedral!