Neste dia – que é nosso – sejamos nós, mulheres, a ditar o Futuro
Quando cheguei, bem cedo, junto das instalações, o grupo que terminava o turno da noite, acabara de tomar o café da manhã.
A vigília durava há três semanas, desde que lhes comunicaram que fossem para casa porque já não havia trabalho.
A reação foi imediata. Logo aí decidiram organizar turnos de quatro horas, seis ao todo, para ficar junto ao portão da fábrica, de dia e de noite, afim de impedir que a gerência retirasse as máquinas e o material que tinham confecionado, pronto para ser vendido. “O nosso património, como diziam “.
Eram quatrocentas as operárias da “TRIUMPH” mas só metade aderiu à luta. As outras existiram porque, com seis meses de salário em atraso, não tinham sequer dinheiro para os transportes. E muitas vinham de longe, “do outro lado do rio”.
Como abrigo, neste inverno rigoroso, tinham uma barraca improvisada, algumas cadeiras e um fogão a gás onde confecionavam refeições ou aqueciam as que traziam de casa. Um aquecedor, igualmente improvisado, alimentado a lenha, fornecia-lhes algum calor.
A manhã avançava. As presenças engrossavam. Até que alguém anunciou que o tribunal nomeara uma gestora de insolvências que viria falar com elas no dia seguinte. Em princípio, era a garantia de que lhes seria entregue o documento que lhes permitiria inscreverem-se no fundo de desemprego. E exigir o pagamento de indemnizações.
Vitória! Vitória!
No entusiasmo, uma delas sugeriu que se cantasse o hino nacional. Mas a Manuela Tavares, da UMAR, que viera comigo, contrapôs: “Não, vamos cantar “Os Vampiros “, do Zeca Afonso. E de seguida, ela e uma jovem que se lhe juntou, entoaram a primeira estrofe. Logo apoiadas por um coro afinado, como se estivesse previamente ensaiado.
Havia sorrisos e lágrimas em muitos rostos. A alegria do momento misturava-se com a preocupação quanto ao futuro.
As operárias da “TRIUMPH” não querem ficar em casa, transformadas em escravas do lar.
Querem continuar a trabalhar, a ganhar o seu dinheiro, a conviver. Aprenderam o gosto da camaradagem, da independência, fizeram amizades. Voltarão a encontrar-se?
Por isso, na hora da despedida, abraçaram-se umas às outras, esquecidas das humilhações e do cansaço, e muitas disseram, a justificar a emoção, “ali fomos felizes”.
Neste tempo em que as novas tecnologias e a robotização vão lançar muita gente no desemprego, as mais sacrificadas serão as mulheres. Em nome de razões demográficas, elas estão a ser incitadas a criar grandes famílias e a dedicar-se ao lar para, uma vez mais, como já sucedeu em outros momentos históricos, deixarem aos homens os seus postos de trabalho.
Após séculos de luta, os direitos das mulheres à liberdade e à igualdade de oportunidades estão em risco.
Como disse recentemente o prof. Sobrinho Simões, “não precisamos de mais tecnologia, mas de mais humanidade”.
O que implica mais democracia não apenas no nosso país, no nosso continente, mas em todo o mundo. Porque sem democracia, não haverá desenvolvimento. E sem desenvolvimento, como tornaremos universais os direitos humanos?
Neste dia – que é nosso – sejamos nós, mulheres, a ditar o Futuro.
Maria Antónia Palla
Presidente Honorária do Departamento Nacional das Mulheres Socialistas