NÃO QUEREMOS TODOS O MESMO?!
Para as confederações patronais, os incentivos dirigidos às empresas são insuficientes. Para as centrais sindicais, os apoios previstos para os trabalhadores deviam ser aumentados e alargados. Os comentadores tanto afirmavam ser este o OE mais “à esquerda” da nossa democracia, como alegavam insuficiências para combater a crise sanitária e recuperar a economia. Ou seja, reconheciam algumas medidas muito positivas e enumeravam outras em falta. “Insuficiente” era o adjetivo recorrente. Os representantes dos partidos políticos sublinhavam quase exclusivamente não o que está, mas o que não está orçamentado. Ou seja, a maioria das críticas que ouvi não se referiam ao conteúdo deste orçamento, tomavam como referência o “seu” OE ideal, perfeito, sem limitações financeiras nem condicionantes estruturais e de conjuntura.
Ouvindo e cruzando as alegadas insuficiências de uns e de outros, fiquei convencida de que, no atual contexto, este é o orçamento ajustado para combater a pandemia, defender os rendimentos, proteger os que mais precisam, apoiar a economia e o emprego e cuidar do nosso futuro coletivo.
Começo pela prioridade óbvia, a Saúde, citando um título do jornal Público – “SNS foi reforçado com 20.641 profissionais desde 2015” – e acrescento o previsto no OE 2021: mais 4200 profissionais, mais 260 para o INEM, subsídio de risco para os profissionais de saúde “na linha da frente da resposta à Covid-19”, reforço do programa de saúde mental (19 milhões), mais 90 milhões de euros para os cuidados de saúde primários, menos taxas moderadoras.
Quanto à defesa dos rendimentos, está previsto o aumento das pensões mais baixas e do salário mínimo nacional. E medidas fiscais na ordem dos 550 milhões de euros: redução do IVA da eletricidade; devolução do IVA pago em despesas de restauração, alojamento e cultura; creche gratuita para os filhos das famílias do 1º e 2º escalões do IRS. E, para que ninguém fique para trás, é criado um apoio social extraordinário para quem perdeu o emprego ou teve uma quebra significativa na sua atividade.
Os números confirmam que este é um orçamento contra a austeridade e que contempla importantes medidas de apoio às famílias e às empresas. É o orçamento de que o país precisa. Do que o país não precisa é de instabilidade política. Como os anteriores (desde 2015), também este OE foi negociado com os partidos da “geringonça” e com o PAN. E só não será aprovado se BE e PCP somarem os seus votos à direita, uma vez que a direita junta (do PSD ao Chega) tem menos 22 deputados que o PS. A cada um a sua responsabilidade. Está em causa o interesse nacional que não deve ser sacrificado no altar da demagogia e do jogo político-mediático.
Estou certa de que as portuguesas e os portugueses não compreendem que políticos responsáveis não queiram mais investimento público, designadamente na saúde e nos transportes. Que não aprovem aumentos de rendimentos das famílias e apoios às empresas e ao emprego. Que prefiram limitar o país a funcionar por duodécimos do orçamento anterior, por eles considerado “insuficiente”. Se era insuficiente no passado, só por um milagre da multiplicação dos números pode ser suficiente para o futuro. As afirmações da coordenadora do BE – “um orçamento que assegure que há médicos no Serviço Nacional de Saúde, que responda aos desempregados e que tenha contas rigorosas terá sempre o voto do BE” – parecem-me, contudo, o prenúncio de que depois da tempestade vem a bonança.
Parafraseando Miguel Torga, “enquanto não alcances não descanses”, o PS vai fazer o que pode e deve para dotar o país de um bom orçamento. A ambição é grande e tem como limite o bom senso. Por isso, com afirmou António Costa, o diálogo com os grupos parlamentares à esquerda do PS e com o PAN vai manter-se até à aprovação final global do OE 2021.