Michelle Obama, a “macaca de saltos altos”
Ainda não estava decorrida uma semana depois de Trump ser eleito presidente dos EUA e começaram já a surgir, abertamente, sem filtros, expressões de racismo, misoginia e de total ausência de empatia humana na sociedade americana dirigidos contra uma negra, Michelle Obama.
Duas mulheres no Estado da Virgínia, com cargos de responsabilidade pública (uma até era a presidente da câmara local), chamaram “macaca de saltos altos” a Michelle Obama, àquela que ainda é a 1ª Dama dos EUA.
Já tínhamos ouvido esta expressão “macaca” aqui na Europa, como insulto a políticas mulheres e negras. A ministra da Justiça francesa, negra, nascida na Guiana francesa, Christiane Taubira – a responsável pela lei de 2001 que passou a considerar a escravidão e o tráfico de negros como Crime contra a Humanidade – foi recentemente alvo de ataques ferozes por parte de gente ligada à Frente Nacional. Chamarem-lhe macaca foi apenas um deles. E isto aconteceu no país que nos habituámos a considerar estar sempre na linha da frente na defesa dos valores da humanidade.
Também em Itália, Cecile Kyenge, congolesa, ministra da integração em 2013, sofreu duramente com ataques racistas, particularmente por parte de políticos da Liga Norte, como o senador Roberto Calderoli, na altura vice-presidente do senado italiano, que a comparou a um orangotango, ou da conselheira municipal de Valandro que postou no Twitter : “ não há quem estupre a Kyenge…?”
A Liga Norte italiana, de extrema direita, foi um dos parceiros de coligação de Berlusconi. Depois das eleições europeias de 2014, cofundou um grupo no PE intitulado Europa das Nações e das Liberdades, que inclui partidos como a Frente Nacional francesa ou o Partido da Liberdade da Áustria. Tudo bons rapazes, diria Martin Scorsese.
Embora na Europa a memória do contacto com a escravatura negra esteja mais distante, pese embora a história dura da colonização dos territórios africanos da Bélgica, Inglaterra, Portugal, França, ou Holanda, nos EUA essa memória continua a estar muito presente: a economia do Sul construiu-se com o recurso à escravatura negra, a Guerra Civil americana foi apenas há pouco mais de um século (1861-1865), com mais de meio milhão de mortos, e a segregação racial institucionalizada como disposição legal e jurídica manteve-se formalmente até à década de 60 do século XX.
O Ku Klux Klan é um dos apoiantes de Donald Trump e, mesmo que este apoio não tenha sido sancionado pela sua campanha, é evidente que sopram ventos segregacionistas no pensamento hegemónico da extrema-direita americana, que vão ao encontro, do outro lado do Atlântico, da vaga xenófoba que invade a Europa.
Há que estar atento a todos estes sinais. Cada um deles constitui mais uma pequena pedra no imenso muro em construção que pretende travar as conquistas civilizacionais consagradas no século XX: a igualdade entre todos os homens e mulheres independentemente da raça, religião, pensamento politico, género ou orientação sexual.
Não pode haver diferenças na qualidade de vida, nas oportunidades, no acesso à educação, ao emprego ou à saúde dos cidadãos, sejam da Europa, sejam dos EUA, sejam de qualquer parte do mundo. Essa é a nossa luta e a nossa motivação política e de cidadania.
Os Direitos Humanos foram uma conquista árdua. Temos que os defender a todo o custo.