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Media e justiça: relações promíscuas

Media e justiça: relações promíscuas

Os processos judiciais que envolvem figuras do campo politico, financeiro e empresarial tornaram-se nos últimos tempos um filão para os órgãos de comunicação social que têm neles um tema de audiências garantidas.

Opinião de:

Media e justiça: relações promíscuas

Não são já apenas as notícias de que determinado político, banqueiro ou empresário são suspeitos e arguidos e das medidas de coação que lhes foram aplicadas. Essas são normais quando correspondem a factos. Mas o que os media nos dão agora a ler e a ouvir, em íntima colaboração com a justiça, são inquéritos a arguidos e gravações de escutas, umas emitidas de viva voz outras transcritas em jornais e écrans de televisão.

Alguém escreveu que para cumprir cabalmente esta noção de uma justiça verdadeiramente transparente talvez os inquéritos a arguidos possam passar a ser transmitidos em direto nas rádios e televisões, e as escutas possam também ser passadas na íntegra, para que cada um de nós possa tirar as suas próprias conclusões sem ficar à espera das seleções do Correio da Manhã e da CMTV. O “acesso à justiça” tornar-se-ia então verdadeiramente democrático e barato. Bastaria ao Ministério Público e aos tribunais deixarem as televisões gerir a distribuição do som e da imagem e a justiça entraria finalmente na casa de todos os portugueses. Seria uma justiça ao alcance de todos!

Falando a sério: por muito estapafúrdia que pareça esta crónica, ela é apenas uma pálida caricatura da situação com que estamos confrontados. Custa a crer que o Ministério Público se sinta confortável com a transmissão televisiva a que temos assistido de inquéritos judiciais e outros elementos do chamado processo Marquês, em que os magistrados que intervêm nas gravações surgem a fazer perguntas, algumas quase boçais, falando de pessoas como “a Sandra”, a Sofia”…  com a familiaridade, tão criticada à juíza que se atreveu a tratar Bárbara Guimarães por “Bárbara”  no processo que opõe a apresentadora de televisão ao seu ex-marido, Manuel Maria Carrilho.

Fiquemos porém descansados porque o Ministério Público prometeu que está a investigar a transmissão de excertos das gravações áudio dos interrogatórios de José Sócrates e Carlos Santos Silva prestados quando foram detidos, em novembro de 2014. O descanso será porém longo porque este tipo de investigações esgotam-se no momento em que são anunciadas. 

Deixemos a justiça trabalhar, porque como diz o politicamente correto: “à justiça o que é da justiça e à política o que é da política”. 

Porém, para ficarmos mais próximos da realidade devemos acrescentar: “à justiça o que é dos media e aos media o que é da justiça.”