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LUTO E NOVILÍNGUA

LUTO E NOVILÍNGUA

O luto é um processo necessário para preencher o vazio que resulta de uma perda e deve ser encarado como natural também na vida política. Contrariamente à maioria das análises que fala de “mau perder” da coligação PaF, assistimos a manifestações de luto, amplamente reconhecidas pelas ciências da psique.

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Qualquer manual de bolso de psiquiatria organiza o luto em cinco estágios. Esta teoria geralmente aceite, da autoria da psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross,  diz-nos que o processo começa com a negação, ou seja, a incapacidade de acreditar e de aceitar a perda. À negação segue-se a fase da raiva, é o momento da revolta, o sentimento de injustiça. Vêm depois as fases da negociação, da depressão e, finalmente, da aceitação.

O  luto da falecida coligação maioritária de direita, a que assistimos diariamente e ao vivo todos os dias nos mais variados contextos, acaba de ultrapassar uma longa fase de negação e entrou no tempo da raiva.

As intervenções no debate do programa do governo e na moção de rejeição marcaram essa transição, sublimada com predicativos e eufemismos, sendo “Primeiro Ministro Vírgula”, “Mário Centeno, o ilusionista” ou o “chefe de governo” os expoentes máximos de raiva incontida.  Durante o fim de semana, o vice presidente do PSD, falando para um público interno (não esqueçamos que este é também um processo de catarse coletiva no partido) afirmou que “o governo de Passos foi vítima de artimanha do PS”.

Uma manifestação original deste luto é a procura de uma espécie de “novilíngua”. À semelhança do estado ficcional de Orwell em “1984”, a redução do discurso político a um léxico básico procura moldar a nova realidade portuguesa. Através da linguagem, da forma como é descrito o processo governativo e parlamentar em curso, procura-se condicionar o pensamento sobre esse mesmo processo.

Expressões consideradas “infantilizantes” como “BFF – Best Friends Forever” ou chocarreiras como “artimanha” ou eufemísticas como “chefe de governo” são na realidade elementos de construção de uma narrativa próxima da linguagem redutora e simplista das redes sociais, a novilíngua mais eficaz para os tempos que correm.

Felizmente este é um processo dinâmico e em breve assistiremos às fases da depressão e, algum dia, da aceitação. Fiquemos atentos à evolução desta novilíngua, tanto mais que ela terá a ambiciosa tarefa de iludir o inevitável colapso da amizade dos BFF Passos e Portas.