LITTLE AMERICA
Verdadeira grandeza e nobreza existiu durante as presidências de Barack Obama, muito particularmente na sua política externa, dos esforços para um acordo com o Irão no domínio nuclear ao degelo das relações com Cuba, da reconciliação com a história com países como o Vietname ou Japão à condenação séria dos colonatos israelitas nos territórios ocupados palestinianos.
A política externa dos Estados Unidos tornou-se egoísta, insignificante e preconceituosa. Donald Trump ainda não percebeu que os Estados Unidos não são uma ilha e que o mundo está totalmente interligado e interdependente. E que a geopolítica tem horror ao vazio. E a prova está à vista. Trump está a oferecer numa bandeja a liderança global à China, um player disciplinado, metódico, com visão de longo prazo e muito compenetrado nos seus interesses e objetivos. E, por isto mesmo, é absolutamente fundamental que seja feito um acompanhamento atento da sua política externa, particularmente pela União Europeia.
De cada vez que Donald Trump ataca alguém, como faz recorrentemente e fez recentemente ao pretender atingir o mayor de Londres, Sadiq Khan, que procurou tranquilizar os seus cidadãos na sequência de mais um bárbaro atentado terrorista, está a revelar uma América preconceituosa e mesquinha. Uma América pequenina e provinciana.
Londres acabava de ser fustigada com mais um atentado, o terceiro em menos de dois meses, revelando-se assim a extraordinária dificuldade em prever ataques desta natureza quando são obra de indivíduos que não recorrem a explosivos ou outros materiais que levantem suspeitas.
Mas nem mesmo num contexto de desorientação e consternação, o presidente dos Estados Unidos deixou de subir ao seu pedestal de preconceito e mesquinhez para produzir mais um dos seus pensamentos em 140 carateres, para invetivar Sadiq Khan, um homem íntegro, de convicções e liberal nos costumes, que defende o casamento gay, apesar de ser muçulmano. Um trabalhista que corajosamente defendeu a permanência na UE e não a decisão destrutiva preconizada pelo presidente dos EUA, que agora, na sequência das eleições britânicas, ainda veio confirmar de forma mais evidente que a primeira vítima do Brexit é mesmo o Reino Unido.
Mas a maior prova que Donald Trump e os seus conselheiros nacionalistas ainda não compreenderam que a América não é uma ilha, foi a decisão de rasgar o Acordo de Paris sobre o clima, um compromisso sério para um problema muito grave. O segundo maior poluidor mundial quer poluir à vontade ainda mais, voltando as costas ao maior desafio que o planeta e a humanidade enfrentam, que é impedir que o aquecimento global destrua os equilíbrios dos ecossistemas, como já hoje ocorre, com graves consequências para toda a humanidade.
Tal decisão é também um ataque ao poder da ciência de contribuir para um mundo melhor e um perigoso retrocesso civilizacional. Mas é mais uma oportunidade para a China ocupar o lugar que os Estados Unidos abandonam.
Donald Trump ainda não percebeu que as grandes potências, particularmente os Estados Unidos, têm responsabilidades particulares na gestão dos equilíbrios do planeta, na ética da geopolítica, com justiça, sentido humanista e respeito pelos valores fundamentais. Ou então o mundo corre o risco de ficar em roda livre. E isso é muito perigoso.