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Legislação laboral: o que verdadeiramente conta

Legislação laboral: o que verdadeiramente conta

Vieira da Silva - Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

(Artigo de opinião escrito originalmente para o jornal Público)

José António Vieira Da Silva

Legislação laboral: o que verdadeiramente conta

Como é típico de matérias tão sensíveis e decisivas, elas exigem capacidade de diálogo e compromisso de todas as partes envolvidas. Mas tal não impediu um acordo maioritário na Concertação Social. Porque o seu conteúdo corresponde às necessidades e aos anseios da grande maioria dos cidadãos.

 

Ponto 1: Menos precariedade

Ao longo de demasiado tempo foi sendo promovida uma ideia, quase como um dogma: a de que a instabilidade do emprego, para cada vez mais pessoas e fases da vida cada vez mais longas, era inevitável. E que era “natural” que a entrada no mercado de trabalho se fizesse através da contratação a prazo e outras formas “atípicas“. A tal ponto que, hoje, os dados mostram que 85% dos trabalhadores que pela primeira vez descontam para a Segurança Social o fazem com base em contratos não permanentes. Mais: 2 em cada 3 jovens têm hoje contratos a termo.

Foi-se assim gerando uma realidade dual, uma sociedade segmentada. Há quem pense que combater essa segmentação se faz facilitando os despedimentos de forma a transformar todos os contratos em precários. O nosso caminho é outro.

É o caminho que orienta a estratégia do Governo e da atual maioria: limitar na lei as possibilidades de recurso à contratação não permanente, penalizar as empresas que o fazem em excesso em cada setor, proteger melhor quem tem contratos não permanentes, combater o trabalho não declarado, melhorar os meios de fiscalização e incentivar a contratação não permanente. Aceitamos e defendemos que a economia tem de ganhar flexibilidade mas isso não pode acontecer à custa da destruição do futuro de gerações de portugueses.

É por essa razão que propomos mudanças.

– Limitar a possibilidade legal de contratação a termo para o mínimo histórico de dois anos e com regras de renovação mais exigentes.

– Eliminar a justificação de ser jovem ou desempregado de longa duração como razão para contratar a termo – recurso generalizado e abusivo como falso período experimental.

– Aumentar a proteção dos trabalhadores temporários: introduz-se um máximo de seis renovações (quando não existia qualquer limite), garantindo que beneficiam desde o primeiro dia das regras dos contratos coletivos das empresas onde são colocados, que são sempre informados da razão pela qual estas recorrem ao seu trabalho para que melhor possam defender os seus direitos, e que as empresas utilizadoras passam a ser obrigadas a integrá-los em casos de irregularidades.

– Criar uma contribuição adicional para a Segurança Social para empresas que, em cada setor, revelem rotatividade excessiva em consequência da precarização do emprego.

– Reduzir para apenas quatro meses o tempo de descontos necessário para aceder ao subsídio social de desemprego em consequência do fim de um contrato a termo.

– Alargar o combate ao trabalho não declarado, a precariedade subterrânea que nem aparece nas estatísticas, admitindo que os contratos de muito curta duração, ainda que dentro de uma duração máxima inalterada, podem ser mobilizados noutros setores que não apenas a agricultura e turismo em picos de atividade não compagináveis com a estrutura base das empresas.

– E porque se fecha a porta hoje generalizada de entrada no mercado de trabalho através de contratos a termo, estabelece-se um período experimental específico (mas dentro de parâmetros já existentes na lei portuguesa) para quem não tem qualquer experiência ou está em desemprego de longa duração. Porque estes grupos têm objetivamente uma muito séria desvantagem perante outros trabalhadores, como demonstram todos os indicadores. No momento em que vedamos (com inteira justiça) o abuso da contratação a termo como falso período experimental, faz sentido que se defenda o emprego e as oportunidades de (re)entrada destas pessoas no mercado de trabalho – mas agora com contratos sem termo.

 

Ponto 2: Mais negociação

Mas esta promoção da estabilidade no emprego exige combater outro quase dogma que se instalou: uma suposta inevitável individualização das relações de trabalho.

O banco de horas individual acaba e esta forma de flexibilidade passa a ser acessível às empresas exclusivamente com base na negociação coletiva ou, quando esta não existe, através de uma figura inovadora na lei, mas que já vem sendo praticada com êxito: os acordos de grupo com base no anonimato de votações democráticas, garantias de acompanhamento e escrutínio pelas estruturas representantes dos trabalhadores, ou pela própria Autoridade para as Condições do Trabalho nas empresas mais pequenas.

Além disso, pela primeira vez, a denúncia das convenções coletivas passa a ter de ser fundamentada.

Introduz-se um novo mecanismo de arbitragem com possibilidade de suspender temporariamente o prazo de caducidade quando, no entender dos árbitros, ainda haja margem para mediação.

Alarga-se o princípio do tratamento mais favorável, já existente em matérias relevantes, ao pagamento do trabalho suplementar.

Garante-se que em caso de caducidade dos contratos coletivos os trabalhadores veem salvaguardados nos contratos individuais as condições de parentalidade e de segurança e saúde no trabalho previstas na convenção caducada.

 

Ponto 3: Mais concertação

Acreditamos que estas opções são importantes e induzem uma transformação dos comportamentos e dos padrões de emprego.

Como é típico de matérias tão sensíveis e decisivas, elas exigem capacidade de diálogo e compromisso de todas as partes envolvidas. É mesmo natural que algumas não tenham leitura inequívoca ou que possam suscitar dúvidas. Mas tal não impediu um acordo maioritário na Concertação Social. Porque o seu conteúdo corresponde às necessidades e aos anseios da grande maioria dos cidadãos.

São medidas progressistas, de aprofundamento do caminho estratégico que traçámos por oposição à suposta inevitabilidade da precariedade e do enfraquecimento da dimensão coletiva das relações laborais.

São medidas que honram a visão de um mercado de trabalho com maior estabilidade, beneficiando todos os intervenientes. Visão que é a do Governo e que, com integral respeito pelas nossas diferenças, temos trilhado em diálogo com os parceiros que suportam a atual maioria parlamentar.