Entrevista de António Mendonça Mendes ao Jornal de Negócios
IRS dos recibos verdes: “Os meus colegas advogados sabem que tenho razão”
Filomena Lança | [email protected]
Elisabete Miranda | [email protected]
“Se há medidas que protegem os recibos verdes, são estas”, diz António Mendonça Mendes, que recusa qualquer subida de IRS por via do regime simplificado. Trata-se apenas de uma medida de justiça fiscal, argumenta.
A mensagem central do Governo – de que este Orçamento traz um alívio geral para todos os contribuintes e não aumenta os impostos a ninguém – está a ser desafiada pela proposta de alteração ao regime simplifica do IRS. Mas o novo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que tomou conta da pasta em julho, já o processo de preparação do Orçamento estava lançado, rejeita que se possa tirar esta ilação. Obrigar os profissionais liberais e pequenos empresários a apresentar despesas é uma medida básica de justiça fiscal, que não prejudicará ninguém e contribuirá para aumentar a atividade declarada, contrapõe. Atacado pelos colegas advogados, um sector em que há muita prestação de serviços, António Mendonça Mendes considera normal “que os interessados intervenham quando achem que o seu interesse está em causa”. Mas, neste caso, garante, eles “sabem que eu tenho razão”. Ainda assim, mostra abertura para alterar a medida durante o debate da especialidade.
Este Orçamento parecia bem encaminhado para não levantar ondas, mas há uma medida que está a sobressaltar muita gente: o regime simplificado do IRS. Como é que a ideia nasce?
Este Orçamento é de alívio de impostos para todos, quer sejam trabalhadores por conta de outrem (TCO) quer sejam independentes (TI), quer sejam pensionistas. É um Orçamento de alívio de impostos para rendimentos mais baixos, para trabalhadores até 40 mil euros por anos de rendimento, e também uni Orçamento que permite um desagravamento fiscal para rendimentos mais altos por via do fim da sobretaxa.
Todos exceto alguns recibos verdes e pequenos empresários.
Os TI saem beneficiados por três motivos. Em primeiro lugar porque beneficiam [do alívio fiscal] da nova tabela de escalões e taxas de IRS. Em segundo lugar porque, pela primeira vez, se consagra a impenhorabilidade total dos seus rendimentos. Em terceiro lugar porque se alargou o mínimo de existência, que desde 1989 era exclusivo dos rendimentos do trabalho dependente e das pensões. A proposta relativamente ao regime simplificado é, tão só, uma proposta de atualização de um regime de 2001.
De atualização ou de transformação completa da sua filosofia?
O regime simplificado sempre foi e é urna técnica fiscal, não é um beneficio fiscal. Era um regime transitório, que em 2014deixoucairos indicadores de base técnico-científica De2014 para cá existe o e-fatura e a questão que se coloca é a de saber se devemos ou não atualizar o regime em função daquilo que é a evolução do próprio sistema. Porque é que um idoso tem de provar todas as desposas de medicamento e a receita médica associada a esse medicamento, e eu não posso pedir para que as despesas destes profissionais sejam declaradas?
Então porque não transformam o regime pura e simplesmente num regime de confronto de receitas e despesas para todos?
E, por outro lado, porque não faz o mesmo no IRC? Estamos a trabalhar também no regime simplificado do IRC que vai entrarem vigor em janeiro de 2019.
E terá também esta lógica?
Ainda não posso avançar. Mas o nosso objetivo não é nem complicar o regime simplificado, nem desvirtuar o IRS e muito menos aumentar a carga fiscal a quem quer que seja O que queremos “é potenciar os instrumentos que ternos ao dispor e fazê-lo em nome de todos os contribuintes. E digo isto com muito à vontade se há medidas que protegem os trabalhadores a recibos verdes são estas que aqui propomos porque a verdade é que até hoje um recibo verde que fosse penhorado via o seu rendimento completamente indisponível para o seu dia-a-dia e inclusivamente ficava sem os materiais de trabalho.
Como é que um trabalhador independente saberá quais as despesas que pode deduzir?
O sistema fiscal português assenta na confiança declarativa do contribuinte e o facto de termos os instrumentos informáticos mais avançados ajuda-nos a ter esta confiança mais reforçada. Por exemplo, se trabalhar em casa, eu posso, em teoria, ter despesas de supermercado que sejam dedutíveis. Assim como posso alocar uma parte da luze da água às despesas gerais e familiares e outra parte à despesa da minha atividade. E tudo isto é feito no e-fatura, não há nenhuma transformação.
A Autoridade Tributária (AT) é muito rígida naquilo que aceita como custos de atividade. Neste caso o conceito é alargado?
É. Por isso é que temos ti ni conceito de “despesa relacionada” e não de “despesa indispensável” com a atividade [como acontece na contabilidade organizada].0 nosso objetivo é que haja mais faturas.
Quantos fatos é que um advogado pode pôr por ano? Há um elemento de incerteza que se abre ou vai haver instruções da AT sobre o que é ou não aceite?
Evidentemente. Até vou retomar uma prática de um antecessor meu e, uma vez fechado o Orçamento, enviarei uma descrição daquilo que foi o objetivo do Governo em relação a cada uma das normas. Quero contribuir também para que as pessoas vivam com tranquilidade, porque as pessoas viveram durante quatro anos um período de ajustamento em que todos os dias havia uma novidade – ou se aumentava um imposto ou se cortava um subsídio. Este Orçamento, à semelhança dos anteriores, dá previsibilidade e estabilidade e não aumenta os impostos a ninguém. A alteração que propomos ao regime simplificado visa cumpri r o princípio de justiça e equidade fiscal e não aumenta a carga fiscal sobre nenhum contribuinte.
Há alguns sectores, como o alojamento local, que não têm como provar algumas despesas, como por exemplo, o serviço que os próprios. Como resolvem a questão?
Na proposta, além de “fatura”, colocámos a expressão “documento” em sentido amplo, precisamente para abarcaras despesas no estrangeiro ou as comissões pagas aos sites de reserva, que podem ser apresentadas no Portal das Fianças. Tenho estado em contacto com as instituições para, por um lado, fazer pedagogia, e por outro, para melhorar o que tem de ser melhorado, porque um orçamento não acaba no momento em que é entregue na Assembleia da República. Nesse momento é que ele comer a nascer.
Como interpreta as críticas que se têm ouvido, nomeadamente da Ordem dos Advogados e dos seus colegas advogados?
Percebo bem, mas acho que eles sabem que eu tenho razão. Sou advogado e sei que é uma classe muito preocupada com a sociedade. Tenho muito respeito pelos meus colegas e pelo senhor bastonário em particular.
O bastonário apressou-se a criticar a medida, muito duramente.
Tive ocasião de contactar o sr. bastonário e conversar sobre o assunto.
E convenceu-o?
Aminha função é procurar esclarecer e acho normal que todos intervenham quando considerem que o seu interesse está em causa.
O relatório diz que a medida avança por razões de combate à evasão fiscal. Que evasão é essa? Dos próprios trabalhadores por conta própria?
Não, não é dos próprios. Se quero trazer mais faturas para o sistema, é porque acredito que é possível fazê-lo, e isso é uma medida de combate à evasão fiscal.
Quando olhamos para as estatísticas – 90% dos trabalhadores independentes declaram faturação abaixo dos1.300 euros por mês – questionamo-nos se a AT, em vez de ir atacar a despesa, não devia antes estar preocupada com a evasão na receita.
A AT irá apresentar este mês o seu plano estratégico de combate à fraude e evasão fiscal. Veremos quais as prioridades que traze as que o Governo determinará à AT.
Salários e pensões sentem toda a descida do IRS em 2018
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Descer o IRS em 2018 custa 385 milhões de emes, mas o Governo só orçamentou 230 milhões para o ano. Onde está o resto? O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais garante que não vai manipular as tabelas de retenção na fonte e que, no caso de pensionistas e trabalhadores por conta de outrem, a descida será integralmente sentida em 2018.
O IRS vai baixar, mas ainda não se percebeu quando. Em 2018, as taxas de retenção na fonte vão ou não ser atualizadas para refletir a totalidade da descida do IRS?
Claro que sim. Vamos aplicar rigorosamente as regras normais do I RS. Aquilo que vamos refletir nas tabelas é o alívio fiscal para a categoria A e H e a atualização do mínimo de existência para as categorias A e H. Para 2019, ficam o mínimo de existência da categoria B e também todas as outras categorias que por definição não entram no primeiro exercício. É preciso sublinhar que os reembolsos são feitos em 12 dias no IRS automático e em 21 dias nos restantes casos, em média O que tiver de ser refletido e respeite ao ano de 2018 vai ser refletido.
A opção de alívio centrou-se no segundo e terceiro escalões, mas recentemente o FMI veio dizer que Portugal já é dos países que mais redistribui por via do IRS. Não acha que os escalões mais altos já estão no limite?
Nós podíamos ter optado por fazer um agravamento para os escalões mais altos para pagar o alívio dos que estão cá em baixo, mas fizemos uma opção pela neutralidade. Quando o Governo opta por não aumentar as taxas do IRS é porque considera que não deve.
Mas também não optou por colocar esses escalões a acompanhar a descida do IRS, e foram dos grandes sacrificados durante a crise.
Saímos de uma situação muito difícil, não devemos dar nenhum passo maior do que a perna. Os escalões mais elevados terão em 2018 um alívio pelo efeito do fim da sobretaxa, e ele é muitíssimo substancial para cada um destes agregados. Este Orçamento é de alívio de impostos para todos.
Quanto ao mínimo de existência, excluem os “outros prestadores de serviços”. Pode haver pessoas mais carenciadas, como empregadas de limpeza, operadores de call center, prejudicadas?
Não me parece que estejam classificados aí, mas esse “outras” é de tal forma amplo e incerto que nós achámos prudente não os abranger para já.
António Mendonça Mendes: Rendas de casas de estudantes no IRS vão combater a evasão
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O arrendamento é uma prioridade e o seu enquadramento será melhorado, garante António Mendonça Mendes. Uma novidade será a criação de sociedades de investimento para atrair investidores estrangeiros.
A medida da proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2018 que prevê a dedução ao IRS de parte das despesas das. famílias com alojamento de estudantes vai permitir combater o mercado paralelo, acredita o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Este OE tem um conjunto de medidas viradas para o arrendamento. Qual é o panorama que têm atualmente do mercado, a partir dos recibos eletrónicos de renda?
O que temos consciência é que no mercado imobiliário o arrendamento está sub-representado. Uma das prioridades do Governo é fomentar o arrendamento e tenho estado a trabalhar com a secretária de Estado da Habitação para tentar encontrar o melhor enquadramento fiscal.
Diria que ainda há um mercado paralelo significativo?
Há uma medida no OE que é um avanço importantíssimo que damos na matéria de formalização do arrendamento e de justiça fiscal para as famílias, permitindo que o arrendamento de quartos e apartamentos a estudantes seja considerada uma despesa de educação. dedutível [no IRS]. É uma medida de justiça para as famílias, mas não tenha dúvidas que tem o efeito de trazer para a economia contratos que hoje não estão.
Já sabe o que serão contratos de longa duração, para os quais será reduzido O IRS?
A secretaria de Estado da Habitação tem essa perceção, mas será da consulta publica que resultará a definição de arrendamento de longa duração. E nassa perspetiva se associará uma taxa liberatória mais favorável.
Admite taxas progressivas?
Não vou condicionar a discussão pública. O que está no Orçamento permite tornar qualquer uma dessas opções.
Comprometeu-secam o sector imobiliário a avançar com novas sociedades de investimento imobiliário para o arrendamento. Vai avançar?
Para servir a política de arrendamento, queremos estimulara investimento estrangeiro. E os investidores estrangeiros gostam de se identificar com os veículos de investimento que conhecem. Por isso queremos criar os Real State Investment Trust (RATE), que não sendo um organismo de investimento coletivo típico, podem ser uma forma de atracão de investimento que depois se reproduz. Temos já um enquadramento fiscal que, relativamente a estes veículos que se destinam a construir para arrendamento, é muito favorável. É preciso agora criara figura jurídica.
E porque não consta na proposta de OE?
Não consta porque não teria de constar. O que eu assumi foi que a seguir ao OE iria começar a trabalhar nessa forma. Isto envolve também o Ministério da Justiça, o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, que tem as relações com a CMVM.
O que é que as RATE têm de diferente de um normal fundo de investimento imobiliário?
Têm desde logo a possibilidade de financiamento junto do mercado decapitais. São veículos cotados e isso é que faz a grande diferença. Permite a uma multiplicidade de investidores entrarem.
Serão sobretudo para o arrendamento comercial?
Sim, mas também para o arrendamento habitacional, que queremos favorecer e lançaremos mão de todos os instrumentos para favorecer esse objetivo.
Terão isenções de IMI?
Já que estamos a falar de casas, não vamos começar pelo telhado.
“Não há nada sobre a derrama” em IRC
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António Mendonça Mendes não confirma nem desmente que haja um acordo com a esquerda para taxar mais as empresas mais lucrativas. No Orçamento não está.
No IRC, não há grandes novidades, exceto uma medida escondida com o rabo de fora, que é a derrama. 0 Governo aceita-a a contragosto?
A proposta não tem nenhuma medida relativamente à derrama.
O PCP diz ter a garantia do Governo de que o P5 viabilizará a medida na especialidade.
O processo de elaboração do orçamento é bastante complexo. Nós valorizamos muito o Paramento na sua dimensão de representação democrática de todos os partidos, e na sua dimensão de reforço desta maioria parlamentar. Na discussão na especialidade iremos continuar a trabalhar para que o orçamento possa continuar a servira economia portuguesa.
Diz que não haverá aumentos de impostos para ninguém. Abrange a derrama?
Está a falar num pressuposto que hoje não existe. 0 que existe é a proposta do Governo, que não contempla nenhuma medida nessa matéria.
A receita de IRC desacelera 2.7% em 2018. Porquê?
Tem a ver com uma questão muito específica, de uma operação excecional feita no ano anterior, que motivou este ano pagamentos por conta mais elevados e que nós refletimos no próximo ano como uma baixa de IRC.
O Governo estava a preparar uma lei que permitia resolver o problema dos ativos por impostos diferidos da banca. O sector tinha expectativa que viesse pelo menos no orçamento, mas não vem. Significa o quê?
Significa que não está na proposta de Orçamento.