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Ingerência externa

Ingerência externa

Nestes últimos dias têm-se multiplicado as intervenções externas, sobretudo de governantes e dirigentes políticos europeus da direita, que se permitem dizer aos portugueses, de dedo em riste, quem é que, realizadas as eleições, os deve ou não deve governar.

Opinião de:

Ingerência externa

Muito curiosamente, desta vez não se fizeram ouvir as reações indignadas de certos arautos do reino, noutros momentos tão abnegados na defesa da nossa soberania e confessos adversários da alegada conversão de Portugal numa espécie de “protectorado”. Ao que parece, o brio nacional desses espíritos oscila com as conveniências. Agora, a julgar pelo seu respeitoso silêncio, acham normal ouvir estrangeiros a darem palpite sobre a interpretação que deve ser dada aos resultados das eleições em Portugal e até sobre a posição que devem ou não devem ter as instituições políticas portuguesas no processo de formação do novo Governo.

É preciso dizer, de forma clara, que esta ingerência externa é absolutamente intolerável. A escolha democrática dos portugueses, expressa na representação parlamentar, é uma intocável expressão de soberania e o funcionamento da democracia portuguesa dispensa bem interferências estrangeiras. 

Acresce que a ingerência externa, encomendada em desespero pela coligação de direita, vem triplamente equivocada – e também por isso deve ser denunciada. 

O primeiro equívoco está em sugerir que, do ponto de vista democrático, há qualquer coisa de “anormal” no que se passa em Portugal, designadamente com a construção de uma solução governativa com apoio parlamentar maioritário mas em que o Primeiro-Ministro não pertence ao partido mais votado. Basta um olhar breve para o se que passa por essa Europa fora para perceber que isso é simplesmente falso. Na verdade, hoje são vários os países europeus em há um Governo com apoio parlamentar maioritário mas cujo Primeiro-Ministro não vem do partido mais votado: é o que sucede, por exemplo, na Dinamarca, no Luxemburgo, na Bélgica, na Letónia e na Noruega.

O segundo equívoco diz respeito ao alegado risco de uma rutura de Portugal com os seus compromissos com a União Europeia e com a União Económica e Monetária. Outra manifesta falsidade. Se há coisa que o Partido Socialista deixou claro desde o início é que um Governo do PS, mesmo que apoiado pelas forças políticas à nossa esquerda, permanecerá sempre fiel aos compromissos internacionais e europeus de Portugal, incluindo os que se referem à trajetória orçamental necessária para cumprir os objetivos de consolidação das contas públicas fixados no âmbito da zona euro.

O terceiro equívoco – porventura o maior de todos – é o de se imaginar que estas pressões políticas externas de encomenda, todas oriundas da família política europeia da coligação portuguesa de direita, podem alterar a expressão democrática da vontade dos portugueses no Parlamento que os representa. Pelo contrário. Estas desastradas intervenções externas, se alguma influência têm, é semelhante à de certas intervenções internas não menos desastradas: o seu único efeito é consolidar ainda mais a maioria parlamentar de esquerda que vai viabilizar um novo Governo para Portugal.