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Entrevista de Tiago Brandão Rodrigues ao PÚBLICO

Entrevista de Tiago Brandão Rodrigues ao PÚBLICO

Tiago Brandão Rodrigues

in publico.pt por Manuel Carvalho e Samuel Silva

“As escolas não são todas iguais e os alunos não são todos iguais”

É o que diz o ministro da Educação em entrevista ao PÚBLICO. Flexibilidade e autonomia curriculares serão este ano generalizadas a todas as escolas.

Depois de um ano de experiência-piloto em cerca de um terço das escolas do país, a partir deste ano todos os agrupamentos vão poder decidir o que querem fazer com até 25% do seu tempo lectivo. É a autonomia e a flexibilidade curriculares, uma das grandes mudanças que entram em vigor no novo ano lectivo que, para a maioria das escolas, começa nesta segunda-feira. Os exames nacionais do ensino secundário vão ter que passar a ter em conta esta nova realidade, diz o Ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues.

O ano lectivo arranca com algumas novidades como a generalização da flexibilidade curricular. Os resultados do projecto-piloto que envolveu cerca de um terço das escolas no ano passado foram suficientemente estudados para que este processo possa agora ser generalizado?

Todo o trabalho que temos feito de mudanças estruturais na Educação tem sido feito com grande auscultação, estudo e com recurso a projectos-piloto. A flexibilidade e autonomia curricular não é um fim em si mesmo, mas ferramentas que nos permitem melhorar as aprendizagens e lutarmos contra o insucesso escolar, podendo aumentar a equidade. Demos essa possibilidade às escolas e 235 quiseram avançar. Durante o ano passado, foram monitorizadas.

Quais foram as conclusões dessa auscultação que foi sendo feita ao longo do ano?

Foram muito positivas e não teríamos avançado sem elas. A OCDE fez também um trabalho de monitorização e avaliação do projecto, com visitas de individualidades técnicas e científicas a Portugal que avaliaram muitas dessas escolas. Esses peritos fizeram recomendações e por isso é que a autonomia, a flexibilidade curricular, agora em decreto-lei, tem algumas diferenças relativamente ao que era o projecto-piloto.

Se as escolas acharem que não estão em condições, não utilizam essa ferramenta?

Por isso é que nós dizemos flexibilização e autonomia. Isto também vem associado a outro trabalho que temos feito do Plano Nacional de Promoção do Sucesso Escolar. Não podemos pensar o sucesso escolar do nosso sistema educativo entendendo que as escolas são todas iguais e os alunos são todos iguais. Na promoção do sucesso escolar, demos também às escolas a possibilidade de utilizarem conjuntos de medidas que propuseram ao ME.

Mas como é que se vai avaliar o desempenho dessa ferramenta?

A monitorização faz-se como se faz em todas as escolas. O que queremos com a autonomia e flexibilidade curricular é que haja um desenvolvimento de um número de competências que estão subjacentes às aprendizagens essenciais. Aumentámos a escolaridade obrigatória para 12 anos e nunca ninguém tinha pensado verdadeiramente para quê esta escolaridade obrigatória. Uma equipa de individualidades trabalhou durante um ano e construiu o chamado Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, que nos diz qual é o conjunto de competências que temos que trabalhar, dentro das opções curriculares e das aprendizagens que entendemos como essenciais. O que queremos nas nossas escolas é diminuir a retenção, diminuir o abandono escolar, melhorar as aprendizagens e termos mais sucesso para todos.

As escolas não são todas iguais, os alunos não são todos iguais, mas os exames são todos iguais e para toda a gente. Como é que isto se casa com o acesso ao ensino superior?

Onde os alunos mais falham nas provas finais de acesso ao ensino superior não é nas questões de memorização, são em muitas das competências que são trabalhadas também através da flexibilidade e autonomia curricular: as questões de integração da informação, de pensamento crítico.

Portanto, não há um problema de haver uma prova nacional a Matemática, havendo flexibilização e autonomia?

O Instituto de Avaliação Educativa [Iave] é independente e é quem desenvolve as provas sem conhecimento e sem interferência do ME. Mas fazem as provas em função do que são os currículos que existem no ME. A partir do momento em que existem aprendizagens essenciais, tudo o que é feito no acesso ao ensino superior é feito também em função do novo paradigma que existe.

As escolas vão estar prontas para aplicar o novo modelo da educação inclusiva neste início do ano lectivo?

Entendo que sim. Este tem sido também um trabalho muito aturado. Falamos destas questões há mais de dois anos, fizeram-se centenas – tal qual como na autonomia e flexibilização curricular – de sessões por todo o país. Os alunos com necessidades educativas especiais devem estar cada vez mais tempo com os colegas, em contexto de sala de aula e de acesso ao currículo, com uma intencionalidade forte na transição para a vida de trabalho. Depois, a análise da sua situação não tem que ser exclusivamente clínica.

Isso é uma enorme exigência para a escola e para os professores.

É uma enorme exigência para a sociedade. É muito mais fácil excluir do que integrar. E é muito mais fácil integrar do que incluir. Esta é uma mudança no paradigma civilizacional nas sociedades modernas. Poder fazer com que todos, na sua diferença, possam chegar ao seu sucesso escolar para todos.

 

“O Governo não enganou os docentes”

Se as negociações com os sindicatos falharam, foi porque estes se mantiveram “absolutamente inflexíveis”, diz o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues. Milhares de alunos regressam nesta segunda-feira às escolas.

 

A porta das negociações fechou-se uma semana antes. Sem o acordo dos sindicatos, o Governo decidiu avançar para a contabilização de dois anos, quatro meses e 18 dias do tempo de serviço dos professores para efeitos de carreira, bem longe dos mais de nove anos exigidos pelos sindicatos e que correspondiam à totalidade do tempo em que as carreiras da função pública estiveram congeladas. O Governo “deu um passo”, os sindicatos é que não, diz o ministro da Educação ao PÚBLICO, numa entrevista realizada no Liceu Alexandre Herculano, no Porto, que este ano entrará em obras de reabilitação. O governante não se compromete, porém, com um prazo para que os professores sintam, de facto, os efeitos do tempo que vai ser contado nas suas carreiras.

Em Novembro do ano passado, à porta do I Congresso das Escolas, tínhamo-lo ouvido prometer que iria “lutar radicalmente” pelos professores. Esta derrota dos professores nas negociações com o Governo a propósito da recuperação do tempo de serviço também é uma derrota sua?

Lutar radicalmente – e essa palavra é forte, mas eu quis utilizá-la de forma enfática – foi uma forma de mostrar o nosso compromisso com a valorização da condição docente sem nenhuma hesitação. Temos que nos lembrar de onde vimos. Na governação anterior, o Ministério da Educação [ME] e o Governo entendiam sempre que os representantes dos trabalhadores estavam do outro lado da barricada e não havia concertação social nem diálogo.

Os sindicatos dizem que o Governo e o seu ministro não dialogam com eles.

Por não chegarmos ao mesmo ponto de chegada, isso não significa que não haja diálogo. Em três anos vinculámos 7000 pessoas aos quadros, fizemos com que a famosa “norma-travão” tivesse passado de cinco para três anos.

Os sindicatos subiram de tom nas suas reivindicações contra o Governo. Associa essa subida de tom à proximidade do próximo ciclo eleitoral?

Todos nós sabemos que uma legislatura tem quatro anos, que a aproximação ao fim da legislatura tem implicações naturais no que é a dialéctica entre os actores da democracia. Os sindicatos fazem o seu trabalho. Seria impensável termos uma democracia consolidada se não tivéssemos sindicatos consolidados.

Esta pressão dos sindicatos sobre o ME é algo que, na sua mundivisão, é uma coisa óbvia.

As reivindicações sindicais inscrevem-se numa normalidade do processo democrático. O programa eleitoral do PS e o programa do Governo assentavam na ideia de devolver rendimentos às famílias. Isso criou também novas reivindicações. As organizações sindicais e os trabalhadores identificam neste um Governo com quem se pode dialogar, a quem vale a pena reivindicar.

Ainda assim vamos ter um início de ano escolar muito provavelmente com uma greve.

Só quem não conhece verdadeiramente as nossas comunidades educativas, os nossos profissionais, a sua lisura, profissionalismo, a sua sobriedade, é que pode pensar que estas reivindicações salariais podem pôr em causa os projectos educativos das nossas escolas. Relativamente à greve, não vou comentar. Em todos os anos lectivos da democracia existiram greves. Na luta sindical, cada vez que se resolve uma questão surge uma nova.

Os sindicatos queixam-se do incumprimento de uma promessa por parte do Governo. O argumento que usam é uma resolução que foi aprovada na Assembleia da República, com o voto favorável do PS, com a qual dizem ter ficado convencidos que o Governo iria conceder os nove anos, quatro meses e dois dias.

Nunca foi dito aos sindicatos que a variável tempo não iria ser negociada. O que se decidiu pôr na lei do Orçamento do Estado [OE] de 2018 foi que, da mesma forma que aconteceu com todos os outros funcionários públicos, os docentes e todos os outros trabalhadores da Educação iriam ter as carreiras descongeladas a partir do dia 1 de Janeiro de 2018. De 2011 a 2017, as sucessivas leis do OE foram muito claras: disseram que todos os funcionários públicos não progrediam e que aqueles que progrediam maioritariamente pelo factor tempo não veriam contabilizado nenhum tempo.

Perdiam esse tempo para sempre.

Era o que diziam as sucessivas leis do OE que foram leis sobre as quais se levantaram muitas questões sobre a sua constitucionalidade. Curiosamente, estas questões em concreto nunca levantaram nenhuma questão relativamente à sua constitucionalidade. No corpo de docentes, 46 mil professores já vão ter uma progressão remuneratória em 2018, 30 mil até ao final de Agosto. Todo este trabalho foi feito pelo Governo e liderado pelo Ministério das Finanças através da secretaria de Estado da Administração e Emprego Público. A negociação sectorial tem estado centrada no ME, mas tendo o Governo como interlocutor. O Governo foi sensível, a concertação ocorreu e houve a assinatura de uma declaração de compromisso que punha em cima da mesa três variáveis: o calendário, o modo e também o tempo. Foi isso que o Governo sempre disse, foi sempre isso que se disse nas mesas negociais. O Governo não enganou os docentes e não enganou os seus representantes através das organizações sindicais. Além disso, demos um passo quando apresentámos a proposta de contabilização dos dois anos, nove meses e 18 dias, que são 70% dos quatro anos que é o impulso de carreira dos professores. Desde aí, os sindicatos foram absolutamente inflexíveis.

A Fenprof anunciou que vai pedir a negociação suplementar sobre esta matéria. Se os sindicatos aparecerem com uma contraproposta, é possível reabrir as negociações ou este é um assunto encerrado?

Neste momento em que estamos a falar ainda não foi pedida a negociação suplementar. Não vamos fazer aqui uma negociação que tem que ser feita em sede própria.

Quando é que estes anos são contabilizados e quando é que eles têm, de facto, efeitos sobre a carreira e os vencimentos dos docentes?

Havendo a possibilidade de haver negociação, essa possibilidade e essa situação tem que ser negociada também com os sindicatos.

Não há razão para os receios dos professores de que só poderão recolher efeitos desta medida em 2022 ou 2023?

Os professores não viam contabilizado nada. A partir do momento em que vêem contabilizado algo, que é mais do que nada – e significativamente mais do que nada –, penso que não poderá haver de todo lugar à palavra receio.

O Estatuto da Carreira Docente precisa de ser revisto?

Não estava no programa do Governo uma revisão do Estatuto da Carreira Docente.

Pode surgir na próxima legislatura?

Relativamente à próxima legislatura seria fazer futurologia. Agora não é o momento de estarmos a falar do Estatuto da Carreira Docente.

 

O relatório da OCDE “não é uma bomba”, diz o ministro da Educação

Tiago Brandão Rodrigues recusa interferência do Ministério da Educação nos dados usados pelo relatório anual Education at a Glance.

“Seria impensável a utilização de tácticas para denegrir os nossos docentes”, diz o ministro da Educação sobre o relatório internacional que afirma que os professores nacionais ganham mais do que a média dos restantes trabalhadores que têm um diploma do ensino superior. Brandão Rodrigues garante também que os dados agora conhecidos não o vão condicionar na intenção de “valorizar os docentes”.

No contexto do braço-de-ferro entre o Governo e os professores, aparece o relatório anual da OCDE, Education at a Glance, que caiu como uma bomba entre a classe docente. A conclusão apresentada, de que os professores recebem 35% mais do que a média dos restantes trabalhadores qualificados, parece-lhe fazer sentido?

Não me parece que esse relatório seja uma bomba. Esse é um relatório anual, feito por uma organização internacional que aparece, tal como o Natal, sempre na mesma altura. Não tem nenhuma interferência da parte dos países. Não há aqui nenhum tipo de manipulação. Isso seria pôr em causa as organizações internacionais.

Mas há dados que são fornecidos pelo próprio ministério.

Para todas as organizações internacionais, existem entidades – algumas da administração pública, outras independentes – que fornecem os dados, mas que não são controláveis. [Dizer que o ME condiciona os dados usados pela OCDE] seria a mesma coisa que dizer que o Governo tem algum tipo de actuação sobre o Instituto Nacional de Estatística. O mais importante é que esses dados não me condicionam nem me fazem hesitar relativamente ao facto de querer valorizar os docentes. Em nenhum momento me sentiria condicionado, ou reconfortado, por uma organização internacional dizer que os nossos docentes têm remunerações mais confortáveis relativamente aos outros trabalhadores.

Mas dá jeito ao Governo que apareça este estudo, porque na campanha pela influência na opinião pública isto coloca os professores numa posição de reivindicação razoavelmente desfavorável.

Esse tipo de tácticas não é utilizado nem por este ministro, nem por este ME, nem por este Governo. Seria absolutamente impensável a utilização de tácticas para denegrir os nossos docentes, para, num momento concreto de negociação, pormos em causa uma classe profissional. Tudo o que ponha em causa o bem-estar dos trabalhadores do ME põe em causa também os nossos projectos pedagógicos.

Há uma outra conclusão do relatório que aponta para um claro envelhecimento do corpo docente em Portugal. Há um problema com esta classe?

Gostaríamos de ter uma classe docente mais rejuvenescida. Em três anos, contratámos milhares de professores para densificar o que são os projectos educativos, como as tutorias, a valorização do desporto escolar ou o projecto de educação estética e artística. Nos anos 60 tínhamos 220 mil alunos a entrar no 1.º ano do 1.º ciclo a cada ano. Agora temos pouco mais de 80 mil. Esta diminuição demográfica faz com que a necessidade de trabalhadores não seja tão aguda como foi no passado. Ainda assim, nós contratámos mais docentes.