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Incentivos a médicos de família

Incentivos a médicos de família

Um diploma que o Governo ontem aprovou resolve por simples regras de multiplicação o acesso à saúde dos Portugueses. A solução é simples. Os médicos que trabalham hoje 35 horas para o SNS com mais umas centenas de euros passarão a responder por 1905 utentes; os que trabalham 40 horas responderão por 2261 utentes.

Opinião de:

Incentivos a médicos de família

Vamos admitir que os doentes inscritos nestes médicos frequentarão o centro de saúde 4 vezes ao ano, um valor abaixo da média nacional e de padrões europeus com que nos comparamos. Para simplificar, fixemo-nos apenas no horário das quarenta horas. Em oito horas diárias, admitamos que o médico trabalha em jornada contínua e leva uma hora para almoçar, tomar café de manhã e de tarde, falar ocasionalmente com colegas, atender chamadas de doentes do exterior, negociar internamentos com hospitais, ir ao WC, atender chamadas de familiares. Terá que receber 43 doentes por dia e disporá de 9,8 minutos por doente. Durante esse tempo acolherá o doente, escutará as queixas, lerá no processo clínico os antecedentes, observará o doente, escreverá a prescrição e correspondente aconselhamento, requisitará exames, anotará o processo clínico e despedir-se-á do doente. Se o médico trabalhar em zona mais envelhecida, será procurado mais vezes, admitamos, seis consultas por doente/ano. Nessa altura, nas suas quarenta horas terá que acolher 58 doentes em cada dia, dispensando a cada um 8,2 minutos.

O comunicado do Conselho de Ministros menciona que o incentivo agora criado é temporário e depende de acordo do interessado. Vamos admitir que o incentivo é suficiente para atrair centenas ou até milhares de médicos, perdoem a ficção. Já imaginaram como ficará, ao fim do dia, um médico ou médica, depois de terem recebido 43 doentes? E se tiverem que ser 58?

E quanto à qualidade, a qual depende da organização do centro de saúde, dos seus auxiliares, da educação dos doentes, da sua capacidade de entenderem, comunicarem e exprimirem queixas e da boa disposição do profissional, naturalmente variável? Exigir a profissionais em meio de carreira o cumprimento destas metas (se eles não cumprirem crescem as listas de espera e as reclamações), em regime continuado, não é apenas uma violência causadora de graves riscos ocupacionais. É sobretudo o caminho mais directo para a deterioração da qualidade dos cuidados. Felizmente trata-se apenas de uma fantasia eleitoral.