IGUALDADE DE GÉNERO NAS LIDERANÇAS DO SNS: UM OBJETIVO ALCANÇÁVEL
Acompanho com grande interesse o trabalho realizado pela PlanAPP e os estudos que publica e que abordam a administração pública sob diferentes perspetivas. No mês passado, a PlanAPP lançou o estudo “Trabalho, Liderança e Género no SNS”, apresentando uma análise detalhada sobre a sub-representação das mulheres em cargos de liderança no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e destacando uma série de desafios que persistem, apesar dos avanços legislativos e socioeconômicos significativos.
Gostaria de partilhar convosco a minha leitura sobre este estudo, bem como as suas conclusões, refletindo sobre as implicações dessas disparidades para a gestão da saúde pública em Portugal.
Em 2022, no SNS, a força de trabalho é maioritariamente feminina: 77,8% são mulheres (65,6% dos quadros médicos e 83,5% nos quadros de enfermagem). Face a este cenário, seria razoável esperar que os lugares de decisão em todos os níveis refletissem esta realidade. Mas isso não acontece.
Apesar das melhorias nas taxas de feminilidade, resultantes da aplicação da Lei n.º 26/2019, que estabelece uma representação mínima de 40% de cada sexo nos órgãos de administração pública, a implementação prática dessas políticas ainda enfrenta barreiras significativas. A proporção de mulheres em posições de liderança, tanto intermédias quanto de topo, permanece aquém da média populacional. Este fenómeno é conhecido como o “teto de vidro” – barreiras invisíveis que impedem a progressão das mulheres.
O estudo analisa a taxa de feminilidade nas direções: de topo, de topo não clínicas, de topo clínicas: médicas e de enfermagem; nas direções intermédias clínicas: de medicina e de enfermagem; nos cargos equiparados aos da direção intermédia na administração pública e nos da administração hospitalar.
Embora três em cada quatro trabalhadores do SNS sejam mulheres, os dados mostram que a representação feminina nos cargos de liderança é sempre proporcionalmente inferior à taxa de feminilidade dos trabalhadores do SNS, apesar de já atingir níveis que respeitam o limiar mínimo de representação por género fixado pela legislação de 2019. Observa-se, assim, o “efeito funil” com (para 2022) 77,8% de taxa de feminilidade entre os profissionais, 63,4% entre dirigentes intermédios e 50,5% entre dirigentes de topo.
Para quem se interessa por estes assuntos, recomendo a leitura do estudo que compara estes dados com os de 2018, antes da implementação da lei mencionada (disponível em www.planapp.gov.pt).
O estudo destaca a persistência de estereótipos de género e barreiras estruturais que dificultam o acesso das mulheres a posições de liderança. Desde a falta de modelos femininos em cargos de chefia até aos preconceitos inconscientes que influenciam os processos de recrutamento e promoção, a desigualdade na partilha de responsabilidades familiares e a falta de oportunidades equitativas de desenvolvimento profissional, são alguns dos obstáculos conhecidos. É evidente a necessidade de uma mudança cultural dentro das organizações de saúde, que requerem pensamento estratégico e verdadeira liderança.
A integração de políticas públicas específicas e sensibilidade às questões de género na formação e desenvolvimento profissional na gestão estrutural dos diferentes serviços do SNS é essencial para superar os estereótipos e as barreiras que perpetuam a desigualdade.
Programas de mentoria e de desenvolvimento de liderança específicos para mulheres têm mostrado resultados positivos em algumas unidades de saúde. Além disso, a implementação de critérios claros e transparentes nos processos de seleção e progressão podem ajudar a reduzir os vieses de género.
É, pois, imperativo que a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação (ENIND) seja monitorizada de forma transparente, tornando os dados públicos para melhor compreendermos se as metas definidas para a não-discriminação e para a igualdade de género estão, ou não, a ser alcançadas.
A administração pública deve estar comprometida com a promoção da igualdade de género, não apenas por uma questão de justiça social, mas como uma necessidade para a melhoria da eficácia e eficiência dos serviços públicos. A diversidade de género nas posições de liderança pode trazer uma variedade de perspetivas e abordagens, melhorando a tomada de decisões e fomentando a inovação dentro das organizações.
É, por isso, fundamental criar estratégias e políticas que aprofundem e ampliem a participação das mulheres e da sua voz nos espaços de decisão. No SNS, as mulheres apresentam cerca de 0,47 das possibilidades de um homem de ocupar um cargo de chefia, ao passo que na população em geral, as mulheres têm cerca de 0,57 das hipóteses de um homem de ocupar cargos de liderança. Apenas alcançaremos o #ODS5 se estivermos verdadeiramente comprometidos com estes objetivos e se forem incluídos nos planos estratégicos dos conselhos de administração, que seguem as determinações dos Governos da República.
A igualdade de género nos cargos de liderança no SNS é um objetivo alcançável. Lutemos, pois, para garantir a igualdade de género nos lugares de chefia não por ser uma questão de justiça, mas também por ser um imperativo para o desenvolvimento sustentável e para a eficácia dos serviços de saúde em Portugal.
Queremos que o Futuro seja Igualdade! Queremos Mais Igualdade no SNS!
Alexandra Tavares de Moura
Ex-deputada à Assembleia da República e secretária nacional das MS-ID