Helena Serras Gago
A Helena era assim. Estivesse onde estivesse fazia sempre a diferença. Podia ser num debate, numa reunião ou numa simples discussão. Não importava. Fosse onde fosse a Helena fazia sempre a diferença. Não participava porque sim. Participava com fulgor, muitas vezes com irreverência, mas sempre cordata. Participava com a alma, mas também com o corpo. Com a cabeça, pois claro, mas também com o gesto largo e determinado que um sorriso, não raro, acompanhava. E cuidado com o olhar que nada escondia. A Helena era assim. E o que é terrível é tudo o que ficou por dizer e o muito que ficou por fazer.
Há um mês que partiu e com ela partimos também um bocadinho. Para ver se cá na terra conseguimos aprisionar as suas ideias e dar-lhes forma. Porque a sensação de desperdício é enorme. Uma espécie de buraco negro onde nos perdemos e a perdemos para a voltar a encontrar. Partiu como viveu. Plena de tudo. De entusiasmo e de otimismo. A achar (seria?) que tudo conseguia vencer. Por vezes penso que nos queria, sobretudo, sossegar e que, à força de repetir que tudo seria ultrapassável, conseguiu a paz de acreditar que sim. Que o seu amor à vida, à sua família e às suas convicções tudo superaria.
A Helena fazia mesmo a diferença. Desde sempre.
Nascida em Lisboa, na freguesia do Socorro, a Helena (e nunca Lena ou muito menos Leninha) morreu exatamente dois dias depois de ter celebrado o seu 74º aniversário. Morreu uma grande e corajosa Mulher cuja frontalidade, firmeza e argúcia vai fazer muita falta a todos aqueles que não acreditam em verdades absolutas e que, pelo contrário, defendem que as diferenças são salutares e enriquecedoras. A Helena era uma lutadora pelas suas convicções e pelas alegrias da vida, uma curiosa incansável e uma amiga estimulante. Raramente satisfeita exigia sempre mais, sobretudo de ela própria. Aos 24 anos licenciou-se em Economia no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras a que se seguiu uma pós-graduação em Economia dos Transportes pela ACTIM, em 1971 em Paris e um Mestrado em Estudo Europeus pela Universidade de Paris em 99.
O seu percurso profissional muito se lhe assemelhou: diversificado, vibrante e até inesperado. Entre 1968 e 1997 e 2003 e 2010 ocupou vários lugares na Direção Geral do Instituto Nacional de Aviação Civil, tendo liderado as negociações de acordos aéreos entre Portugal e vários países de diferentes continentes: Europa, África, América Central e Próximo e Extremo Oriente. O final deste primeiro período de colaboração foi marcado pela sua estadia em Paris onde foi correspondente da Agência Lusa, Conselheira Económica da Embaixada de Portugal e Representante de Portugal na Agência Espacial Europeia (ESA).
Um ser de tão excecional qualidade humana e profissional não poderia nunca ficar longe de uma intensa participação cívica e política. A Helena levou o seu entusiasmo e a sua força à Assembleia Municipal de Cascais onde foi uma reconhecida e estimada deputada, ocupando também as funções de Secretária da Mesa da Assembleia Municipal, e ao Gabinete de Estudos do Partido Socialista a quem ofereceu a sua prestigiada colaboração.
Apesar destas linhas, uma Mulher como a Helena não será nunca suscetível de ser definida, pois dificilmente encaixa nos modelos ou moldes que, por vezes, lhe pretenderam atribuir, extravasando em criatividade os limites que lhe eram sugeridos.
Pois é, Helena, habituaste-nos tão mal ao teu brilho e à tua permanente disponibilidade que achámos que era para sempre. E agora?