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Falemos, então, de justiça

Falemos, então, de justiça

Pessoas que prezo queixam-se publicamente, com alguma insistência, de que a justiça é um buraco negro nos programas eleitorais dos partidos políticos; e de que, em particular, o Partido Socialista se terá deixado tolher no que respeita a esta área de governação, por receio de falar de um assunto embaraçoso.

Opinião de:

Falemos, então, de justiça

Não partilho desta visão. Era o que faltava que a justiça não constituísse um tópico maior do debate democrático em tempo eleitoral! E nos dois planos em que faz sentido colocá-lo: na avaliação do que fez ou não fez o governo que está ainda em funções; e nas propostas apresentadas para a próxima legislatura.

É pena, de facto, que a política de justiça não seja chamada mais vezes ao debate público. Os últimos quatro anos foram de claro retrocesso. Aqui, como nas restantes áreas, dir-se-á. E bem. Mas aqui, com duas consequências que devem ser especificadas: uma na economia, outra na qualidade da convivência democrática.

Quanto à relevância da justiça cível para o desempenho económico, o memorando negociado com a troika apontava, no essencial, na direção correta. O sectarismo da ministra da Justiça é que fez atrasar e desorganizar a administração do sistema, ao pôr em causa o mapa judiciário que já estava aprovado e em fase de experimentação, obrigando a recomeçar o processo de novo – com os resultados catastróficos conhecidos. E a sua cumplicidade com os que querem tabloidizar a justiça desviou o ministério do trabalho necessário para continuar a modernizar e agilizar a administração da justiça que interessa às empresas, às pessoas e aos contratos.

Quanto à convivência democrática – e talvez melhor se dissesse à consciência democrática – este foi o governo que ativamente procurou trazer para a esfera pública a agenda mais demagógica e populista. Dois exemplos bastam, ambos frustrados: a indigna tentativa de inverter o ónus da prova em justiça penal, sob a capa de suposto combate ao “enriquecimento ilícito” de políticos; e a tentativa não menos indigna de tornar acessível a virtualmente todos os dados de identificação e localização de ex-condenados com penas já cumpridas.

A rutura do sistema informático, o consequente caos nos tribunais (que ainda não terminou), o permanente passa-culpas, o ‘namoro’ com os operadores judiciários em prejuízo da atenção aos problemas que realmente contam para os cidadãos, o desprezo por normas constitucionais básicas, a indiferença pelos mais graves fatores de atraso na administração da justiça – tudo isto tem de ser creditado a este governo em matéria de política de justiça. Uma área em que ele merece condenação sem apelo!

E quanto ao futuro? Como António Costa mostrou na entrevista que concedeu à RTP, o mais importante é provocar um “choque de gestão” na justiça. São brutais os custos para a economia (e para a vida corrente das pessoas) da burocracia, do formalismo, da opacidade, do atraso sistemático na administração da justiça. E a questão aqui não é, sobretudo, de recursos humanos e orçamentos. A questão principal é a incipiência (para não dizer ausência) de uma cultura de organização e desempenho orientados para objetivos e assim avaliados.

Pensam, pois, mal, a meu ver, os que pensam ou que a política de justiça não é importante, ou que os socialistas não têm ideias sólidas para ela.