Fala-se pouco por cá, mas muito nos EUA
Ainda me lembro da longa entrevista que dei à jornalista Judite de Sousa, quando a possibilidade da alteração da lei da interrupção voluntária da gravidez estava em debate público. E lembro-me claramente das inúmeras pessoas (quase sempre mulheres) que me vieram agradecer, na rua, no metro e até no aeroporto a forma como eu defendia o SIM (da despenalização) nessa discussão. Mas esta conquista deve-se principalmente a todas aquelas e aqueles que durante décadas sofreram e lutaram, de forma mais ou menos visível, por esta alteração legislativa.
Como nos diz Francisco George, ainda à frente da Direção Geral de Saúde por algumas semanas (antes de atingir o limite de idade), muito do trabalho que levou a esta “história de sucesso”, se ficou a dever a Albino Aroso, por muitos considerado o “pai” do planeamento familiar. Curiosamente, apesar de hoje se falar muito pouco da lei, nos primeiros anos da sua aplicação, muitas vozes se levantavam contra, alegando não só que o número de abortos iria explodir, como até, insultuosamente a meu ver, que as mulheres portuguesas passariam a utilizar o aborto como forma de planeamento familiar.
Infelizmente, a situação nos Estados Unidos da América, depois da eleição do 45º presidente (como muitos se referem a Donald Trump, para não terem de pronunciar o seu nome!), país com uma população trinta e três vezes superior à de Portugal, a situação é muito diferente. Antes de 1973, as leis estatais eram muito semelhantes às de Portugal antes de 2007. Neste momento, quarenta anos depois, a famosa alteração na lei introduzida pelo Supremo Tribunal dos EUA que despenalizou o aborto (conhecida como Roe versus Wade) está a ser seriamente atacada. Ainda o ano passado, o Supremo Tribunal teve de voltar a reafirmar o direito constitucional das mulheres ao aborto. Mas o 45º presidente não se cansa de afirmar que de cada vez que um dos juízes, ou a única juíza, do Supremo se reformar, ele fará o impossível para nomear alguém que possa reverter a decisão de Roe versus Wade. Se isso acontecer, cada Estado decidirá por si, o que significa que em muitos deles o aborto voltará a ser severamente penalizado. E o país está muito assustado.
Na Europa, movimentos semelhantes estão a surgir, não só na Polónia como noutros países em que o populismo ganha terreno.
Teremos de continuar muito atentos para que direitos fundamentais adquiridos não sejam anulados.