Emprego, a causa das causas
Lisboa, 29 de agosto de 2015
Caras e Caros Amigos,
Cada vida é única e irrepetível e não a fração de uma qualquer estatística. Toda a minha geração sabe, por experiência própria, de amigos ou familiares, que, acima de tudo, o desemprego ofende-nos na dignidade pessoal, frustra a realização profissional e a participação ativa na sociedade. A geração dos meus filhos não teve, sequer, oportunidade para chegar à idade ativa sem esta inquietação, aprendendo, logo à partida, que a questão do emprego não se limita ao desemprego, mas que se declina nas formas várias de precariedade, dos falsos estágios e recibos verdes à generalização dos contratos a prazo como forma de contratação corrente. Todos podemos verificar que a degradação do emprego se traduz na desregulação de horários de trabalho, no aumento de 70% do recurso ao salário mínimo, na eternização das desigualdades salariais entre homens e mulheres… e no dramático regresso à emigração dos anos 60 do século passado!
O emprego tornou-se a questão central da nossa sociedade. Tem, por isso, de ser a causa das causas, em defesa da dignidade pessoal e da cidadania de cada um, mas também porque é essencial à recuperação da confiança coletiva, ao crescimento económico e à sustentabilidade das finanças públicas, em particular da segurança social. Do aumento da natalidade ao combate à pobreza, a criação de emprego digno, com qualidade e de futuro é condição necessária.
Há que saber ler os números, sobretudo os bons indicadores, de modo a evitar ilusões que nos afastem das prioridades certas. O que significa a redução da taxa de desemprego? Que há mais empregos ou que diminuiu a população ativa por efeito da emigração e do desencorajamento? Infelizmente, o número de empregos regrediu para os níveis de 1997 (!!) e o mercado de trabalho não aproveita perto de 20% de ativos entre desempregados, desencorajados, emigrados…
Não há por isso, tempo a perder com ilusões e temos de mobilizar todos os instrumentos de política para combater o desemprego e a precariedade. As políticas estruturantes do nosso desenvolvimento: os investimentos no conhecimento, na inovação, na valorização do território, na transição energética, na modernização da justiça e da administração. Uma política económica que promova o rendimento e o investimento, rompendo com a austeridade. Políticas sectoriais que dinamizem setores económicos ou de apoio social com grande potencial de criação de emprego, como o turismo, para quem a redução do IVA da restauração é muito importante, a construção, onde a reabilitação urbana é vital, ou as creches, as unidades de cuidados continuados ou domiciliários. E, obviamente, as políticas centradas no mercado de trabalho, focadas na criação de emprego efetivo.
Há quatro prioridades que gostaria de sublinhar.
A primeira, essencial para a empregabilidade, consiste em diversificar a oferta formativa e valorizar o ensino profissional no ensino secundário, retomar a educação de adultos e a formação ao longo da vida.
A segunda, um verdadeiro contrato-geração, permitindo uma melhor distribuição dos tempos de trabalho ao longo da vida, combinando a reforma a tempo parcial com a contratação de um jovem a tempo inteiro, ou a partilha com avós e avôs dos períodos de redução de horário ou de faltas para assistência familiar.
A terceira, o combate à precariedade, com a diferenciação das contribuições da entidade patronal para a segurança social em função da natureza do contrato: agravadas, se precária; reduzidas, se – e só se – definitiva. Do mesmo passo, limitar fortemente a possibilidade de contratação a prazo, valorizando o mútuo acordo na rescisão contratual de modo a limitar os riscos de litigância, sem limitar a proteção judicial contra despedimentos sem justa causa ou sob coação.
Por fim, concentrar os fundos na criação de emprego efetivo para jovens licenciados, essenciais à modernização das empresas, em particular as que estão mais expostas à concorrência externa.
É verdade que o emprego não se cria por decreto. Mas não é menos verdade que também não se cria nem na resignação da sua inevitabilidade, nem na prossecução das políticas de austeridade.
Por mim, não me resigno ao desemprego como fatalidade, nem à austeridade como necessidade. E este é um combate, que travamos nestas eleições nacionais, mas que temos de alargar ao espaço da União Europeia, como amanhã terei possibilidade de desenvolver.
Um abraço caloroso,
António Costa
1ª Parte – PORQUE VOS ESCREVO?
2ª Parte – DEVEMOS CONFIAR NO FUTURO DE PORTUGAL!
3ª Parte – O CONHECIMENTO E A INOVAÇÃO SÃO A CHAVE DO DESENVOLVIMENTO.
4ª Parte – DEFENDER OS SERVIÇOS PÚBLICOS, CONTRA A SUA PRIVATIZAÇÃO.
5ª Parte – VIRAR A PÁGINA DA AUSTERIDADE, RELANÇAR A ECONOMIA.