ELAS SÃO ELES E ELES SÃO ELAS?
Esteves Cardoso considera “um erro e um pleonasmo”, “uma estupidez, uma piroseira e uma redundância que fede a um machismo ignorante” usar o plural feminino (portuguesas) em simultâneo com o plural masculino (portugueses) por achar que elas, as mulheres, já estão incluídas no masculino. Ou seja, eles incluem-nas a elas, mas o contrário não é aceitável. Se num auditório se encontrarem 50 mulheres e 10 homens e for usada a fórmula de saudação “boa tarde a todos” , estou certa de que não haverá reação. É considerada “normal”. Mas o uso da fórmula no feminino será motivo de chacota. A tradicional formulação “minhas senhoras e meus senhores”, equivalente a “portuguesas e portugueses” nunca foi posta em causa.
Wittgenstein considera que a linguagem é um espelho do mundo. De facto, a linguagem não é apenas uma forma de comunicação, é uma expressão cultural da sociedade. Por isso, os preconceitos deixam a sua impressão digital na linguagem que, mesmo quando não é percepcionada como tal, pode ser racista, sexista e misógina.
A língua portuguesa promove a igualdade? Umas vezes sim, outras vezes não, porque a língua reflete os valores, usos e costumes da sociedade. Promove a desigualdade se usarmos uma linguagem que consagra a ideia do masculino como universal. Promove a igualdade se usarmos uma linguagem inclusiva. Usar uma linguagem que desconstrua a ideia do masculino como universal não é pleonasmo, muito menos erro, é promover a igualdade de género. Aceitar o masculino como universal é não reconhecer às mulheres a condição de sujeitos, deixando-as invisíveis, logo inexistentes.
A história da língua portuguesa pode ajudar a perceber a prevalência das desinências masculinas sobre as femininas. O português foi-se transformando a partir do latim vulgar, que possuía os géneros masculino, feminino e neutro. Os idiomas vindos do latim suprimiram o género neutro, considerando que o género masculino cumpria essa função. Por isso, as línguas latinas como o português, o francês e o italiano dão relevância às desinências masculinas sobre as femininas. Daí advém o que podemos classificar de “machismo” da língua portuguesa, uma vez que a sociedade romana era rigidamente patriarcal (centrada na figura do pater familias). A língua inglesa não faz qualquer distinção de género a partir de maiorias: sejam duas mulheres e um homem, sejam dois homens ou duas mulheres, usa-se sempre o pronome “they”. Em português, na falta do neutro, usemos uma linguagem inclusiva, falando deles e delas, dos portugueses e das portuguesas.
Razão tinha Almada Negreiros, “as palavras dançam nos olhos das pessoas conforme o palco dos olhos de cada um”.