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E agora, esquerda?

E agora, esquerda?

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E agora, esquerda?

1. Os partidos também morrem. Ou por perderem internamente as condições de identidade e coesão que são indispensáveis a qualquer estrutura dinâmica ou por deixarem de cumprir externamente as suas funções no ambiente social e político em que se inserem. Uma forma de deixar um Partido morrer simultaneamente por razões internas e por razões externas é deixar que o Partido perca a sua autonomia estratégica, a sua capacidade para prosseguir os seus próprios fins nos seus próprios termos, nos tempos ditados pela vida política real.

2. Uma forma clássica de matar um partido é permitir que ele deixe de representar aqueles que prometeu representar.

Ora, nas eleições de domingo passado, nenhum eleitor votou no PS para dar continuidade a este governo.

Demos sinais suficientes de que, pelo menos com este PSD e com este CDS, a nossa função é ser alternativa. Foi isso que dissemos: se nos propomos mudar a política que eles fazem, não é com eles que isso pode ser feito.

Se o PS for dolosamente responsável pela continuação deste governo, o prognóstico é duro mas é claro: o PS vai “pasokar”. Seremos reduzidos à insignificância dos partidos que se separam dos seus eleitores e que, enredando-se em justificações mais ou menos artificiosas para tentar esconder a sua deslealdade aos que prometeram representar, são descartados como inúteis. A nossa única glória será linguística: introduzir na língua portuguesa um novo verbo: Pasokar. Mas o PS não existe para inovar linguisticamente, existe para representar os portugueses que se identificam com a esquerda democrática e com as soluções social-democratas para a crise que vivemos.

3. No atual quadro parlamentar, só vejo uma forma de fazer isto. Devemos verificar as condições de um governo sem PSD e sem CDS, não vamos deixar o Bloco e o PCP a fazerem de conta que querem apoiar um governo do PS se apenas estiveram a carregar munições para a sua retórica futura, vamos verificar o que eles querem efetivamente dizer e fazer, vamos testar aquilo a que estão dispostos. E digo: vamos fazer esse teste publicamente. O meu entendimento é que o PS deve promover reuniões formais, ao mais alto nível, com o propósito declarado de verificar as condições de um governo liderado pelo PS em que o PCP e o Bloco assumam as responsabilidades a que até hoje fugiram.

Sou de opinião que devemos fazer isso imediatamente. Quando um indigitado primeiro-ministro da direita aparecer no Parlamento com o seu programa de governo, o PS deve estar, já nessa altura, de posse de todos os dados que lhe permitam saber se tem alguma utilidade política apresentar uma moção de rejeição que tenha o carácter de uma moção de censura construtiva, na medida em que contenha as linhas fundamentais de um governo alternativo capaz de reunir apoio coerente e responsável na Assembleia da República. Já temos, aliás, o essencial do caderno de encargos, que são os quatro objetivos essenciais enunciados pelo Secretário-geral do PS, António Costa, na noite das eleições:

• Virar de página na política de austeridade e na estratégia de empobrecimento, consagrando um novo modelo de desenvolvimento e uma nova estratégia de consolidação das contas públicas, assente no crescimento e no emprego, no aumento do rendimento das famílias e na criação de condições de investimento pelas empresas.

• A defesa do Estado Social e dos serviços públicos, na segurança social, na educação e na saúde, para um combate sério à pobreza e às desigualdades;

• Relançar o investimento na ciência e na inovação, na educação, na formação e na cultura, desenvolvendo ao país uma visão de futuro na economia global do século XXI;

• O respeito pelos compromissos europeus e internacionais de Portugal, e a defesa dos interesses de Portugal e da economia portuguesa na UE, por uma política reforçada de convergência e coesão, que permitam o crescimento sustentável e o desenvolvimento do país.

Se, em vez de encetarmos este caminho, fizermos o que os “comentadores” nos pedem, deixaremos nas mãos de outros, no momento em que seja pior para nós, a vitimização do governo, eleições antecipadas e nova maioria absoluta da direita.

4. Claro que há sempre o argumento do centro.

Ainda agora há camaradas que escrevem que o problema é que o PS nestas eleições não conquistou o centro flutuante. Mas eu pergunto: qual centro flutuante? Se estamos a falar de centro flutuante, só podemos estar a falar dos que votam ora na direita ora no PS. Então, se olharmos para os resultados eleitorais de 4 de outubro, e se os compararmos com o histórico de resultados eleitorais em legislativas desde o 25 de Abril, temos de concluir que não ficou nada do centro flutuante na Coligação. Portanto, não havia lá nenhum stock de votos que o PS pudesse ter ido buscar e não foi buscar. Nós perdemos foi para a Esquerda, nomeadamente para o Bloco, e perdemos também para o desânimo, o que torna completamente falaciosa a ideia de que devíamos ter tido um discurso mais moderado para captar o centro flutuante – até porque o nosso discurso nunca deixou de ser moderado.

Aliás, como Partido temos de compreender algo muito importante. Somos um partido moderado e o nosso eleitorado é tradicionalmente um eleitorado moderado, e temos de agir com a moderação que nos é própria e que mantém o nosso lugar charneira no sistema político. Mas, precisamente, um dos nossos problemas é que os anos de crise radicalizaram uma parte do nosso eleitorado; as pessoas que, sentindo-se próximas do PS, foram mais violentadas pelas políticas da direita no governo, querem que o PS seja mais vociferante contra a situação. Temos de saber, mantendo embora a nossa matriz ideológica e cultural, dar resposta também a essas pessoas e não descolarmos dessas pessoas em nome de um centro flutuante que nestas eleições já abandonou a Coligação e partiu para outros voos.

5. O PS disse aos quatro ventos durante a campanha “Há outro caminho.” Não podemos desistir de trilhar esse caminho. Mais exatamente: temos de construir esse caminho, assumindo o esforço. O PS rejeitou, em moção aprovada no último Congresso Nacional, a teoria do arco da governação. Rejeitou – e bem. Porque o “arco da governação” é uma invenção da Direita para retirar a uma parte do eleitorado os seus direitos democráticos e condicionar o PS.

Está na altura de nos libertarmos desse condicionamento, assumindo que todos os votos de todos os eleitores são igualmente legítimos e que todos os partidos com representação parlamentar têm responsabilidades face à governação do país. Os eleitores dos partidos à esquerda do PS valem tanto como os eleitores dos demais partidos, os deputados do BE e do PCP são tão legítimos representantes do povo como os deputados do PS ou de outros partidos. E compreender isto é essencial para compreender o que há a fazer neste momento, para que os mais de 60% dos votos expressos contra este governo não valham menos do que a minoria que votou pela continuidade da Coligação de direita radical. Ainda por cima quando o “Presidente da República” se comporta cada vez mais ostensivamente como um mandatário do chefe do seu partido.

Porfírio Silva
Secretário Nacional do PS