Cuidado com o que se diz
Falando para jovens social-democratas aspirantes a políticos, Cavaco Silva lançou a polémica da linguagem e enviou recados a muitos destinatários inominados, deixando aos ouvintes a tarefa, fácil, aliás, da identificação. Não por acaso, abriu exceção para os líderes estrangeiros, atuais e recentemente substituídos. Critica Hollande e elogia Macron, apresentando-o “como o presidente Júpiter, um Deus de palavra rara no seu Olimpo”. O presidente francês e ele próprio, Cavaco Silva, são os exemplos por ele apontados de boa estratégia comunicacional, a da escassa palavra presidencial. Em oposição à “verborreia frenética da maioria dos políticos europeus, que não dizem nada de relevante”, Cavaco dixit. Nesta formulação genérica, toda a gente percebeu a quem se destinava o recado. Mas, para que não restassem dúvidas, as críticas ao estilo presidencial do popular inquilino de Belém não se ficaram pela linguagem, abarcaram a imagem e a relação com os eleitores. A recusa da selfie foi a forma de implicitamente criticar não apenas as icónicas selfies de Marcelo mas também a presidência dos afetos. A apologia que Cavaco faz de Macron não corresponde, porém, ao que os franceses pensam do seu Presidente da República. Segundo sondagens recentes, só um em cada três nele confiam. Pelo contrário, a popularidade de Marcelo continua em alta.
A linguagem não é neutra nem inócua. Por isso não há inocência nem acaso nas escolhas linguísticas. As palavras podem ser usadas como instrumentos de dominação e poder, como refere a poetiza Cecília Meireles: “Ai, palavras, ai palavras, / que estranha potência, a vossa! […] Reis, impérios, povos, tempos, /pelo vosso impulso rodam…”. Cavaco Silva e Marcelo sabem isso muito bem. E sabem usar as palavras e a comunicação social a seu favor. Cada um à sua maneira.
Na sua intervenção de ajuste de contas com o passado, o ex-Presidente Cavaco Silva cometeu vários erros de avaliação. Se pretendia atingir o governo socialista, ao afirmar que, na zona euro, “a realidade acaba sempre por derrotar a ideologia” e os que, nos governos, querem realizar a revolução socialista “acabam por perder o pio ou fingem que piam”, saiu-lhe o tiro pela culatra. O PS continua a distanciar-se do PSD nas intenções de voto (a esquerda no seu conjunto tem cerca de 57%) e a realidade confirma de forma sustentada o acerto da estratégia política do atual governo, contrária à defendida por Cavaco Silva e Passos Coelho. O Instituto Nacional de Estatística reviu esta semana em alta o crescimento do PIB para 2,9%. O maior crescimento deste século e acima da zona Euro. Há dezassete anos que o país não registava um crescimento económico tão elevado. Recorde-se que, entre 2001 e 2015, a economia portuguesa cresceu, em média, 0,2%. E, como escreveu o jornalista do Expresso, Nicolau Santos, “no primeiro semestre do ano as importações de bens de capital subiram 18,7%, as de bens industriais 12,9% e as de consumo apenas 5,2%. Ora este é o tipo de padrão de importações que interessa ao país, porque mostra que elas são dirigidas a alimentar o surto de investimento que se está a reforçar e que é essencial para sustentar o crescimento da economia”.