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Credibilidade e falta dela

Credibilidade e falta dela

Nas duas últimas semanas, fartámo-nos de ouvir que as previsões económicas que constavam do OE eram demasiado otimistas, senão mesmo irrealistas e totalmente fantasiosas. Commerzbank, Fitch, Moody’s, Conselho de Finanças Públicas, Comissão Europeia – todos disseram que as hipóteses macroeconómicas do OE não tinham qualquer justificação e eram muito mais otimistas do que as previsões existentes.

Opinião de:

Credibilidade e falta dela

Sobre isto, vale a pena dar a palavra à UTAO que, no seu relatório sobre o esboço do OE2016, diz o seguinte: “Note-se que os cenários de outras instituições não incorporam os dados mais recentes da atividade económica nem as medidas de política orçamental incorporadas no exercício do Esboço do OE/2016”.

Ou seja, o que a UTAO nos diz é que, quando comparamos as previsões do OE com as usadas por outras instituições, estamos a comparar alhos com bugalhos, porque as previsões são sobre realidades distintas.

Não sendo comparáveis, o que diz a UTAO sobre a credibilidade do quadro macro do OE e as hipóteses assumidas pelo Governo?

Sobre a evolução do consumo privado (o motor da economia portuguesa desde que saímos da recessão, em 2014), a UTAO diz que o cenário do Governo até é conservador e injustificadamente pessimista:

“O Esboço do OE/2016 não prevê a aceleração do crescimento do consumo privado, apesar de se introduzirem medidas de recuperação de salários e de pensões”.

“O crescimento do PIB em 2016 poderá ser pressionado por um maior aumento do consumo privado, tendo em conta os eventuais efeitos positivos sobre a economia da recuperação prevista para os salários dos funcionários públicos”.

Sobre a evolução das exportações, a UTAO diz que, apesar da desaceleração da procura externa, é natural que as exportações continuem a crescer a bom ritmo, porque “o cenário prevê a continuação dos ganhos de quotas de mercado para as exportações, ainda que a um ritmo inferior do observado nos últimos anos”. As empresas têm ganho quota no mercado internacional, mas o atual Governo até é mais conservador que o que o histórico recente da economia portuguesa poderia justificar.

Sobre as importações, que desaceleram, apesar do crescimento do consumo, a UTAO diz que “no atual cenário do Esboço do OE/2016 a taxa de crescimento das importações é compatível com a relação histórica relativa à elasticidade das importações face ao PIB”. E diz mais: como há um reforço do rendimento dos portugueses mais pobres, é expectável que o cabaz de consumo se altere (menos bens duradouros, mais bens de consumo corrente) e implique um valor de importações menos elevado.

E sobre a magna questão da inflação e dos deflatores, que são essenciais para as finanças públicas, porque o Estado arrecada receita com base no PIB nominal, não no real? Até agora dizia-se que eram uma fantasia. A UTAO, mais uma vez, discorda:

“A previsão para o aumento dos preços do consumo privado parece ser compatível com a previsão de crescimento dos preços medido pela variação do índice de preços no consumidor de 0,5%, em 2015, para 1,4%, em 2016”

“O aumento previsto dos preços dos bens de consumo público (de 2,1%) é compatível com a perspetiva de aumento das remunerações para o setor público.”

Sobre o Investimento, a UTAO nada diz. Mas diz o INE. Ao contrário da histeria do PSD e CDS, que garantem não fazer sentido o PS prever uma aceleração do investimento porque o Governo desistiu de baixar o IRC e tem provocado o terror nos empresários, o Inquérito da Conjuntura, publicado recentemente, diz o oposto: os empresários preveem investir muito mais em 2016 do que investiram em 2015. A confiança dos consumidores e dos empresários, que aumentou em janeiro, parece confirmar a filosofia económica do PS (e desmentir a da direita): não há melhor maneira de pôr a economia a crescer e os empresários a investir do que apostar no rendimento das famílias. Os dados do INE parecem confirmar esta teoria.

Há problemas e dificuldades no OE2016? Sim, muitas, sobretudo há uma disputa com a Comissão Europeia em torno do ajustamento estrutural: a Europa quer mais austeridade, o Governo quer menos. Independentemente deste (importante) tema, a que a UTAO tem dado, e bem, muito destaque, uma coisa é certa: a UTAO mostrou que o que Commerzbank e todos os que acusaram o Governo de irrealismo macroeconómico não têm razão nenhuma. O que era otimista, irrealista e sem fundamento era o quadro macroeconómico do anterior Governo. Esse, sem qualquer justificação, previa que a economia cresceria 2% (vs 2.1% do PS) e que o défice caía drasticamente para 1.8 (vs 2.6% do PS). Sobre essa previsão, a UTAO pronunciou-se em tempo devido. E disse que era uma fantasia.