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A histórica cimeira da mutualização da dívida

A histórica cimeira da mutualização da dívida

Ao fim de quatro dias e noites de negociações, com reuniões de geometria variável, muita tensão e alguma chantagem, os 27 Estados-membros da União Europeia (UE) chegaram a acordo sobre o Fundo de Recuperação e o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) para 2021-2027. Uma vitória para Portugal e uma decisão histórica para a Europa, num contexto singular.

Opinião de:

PPUE 2021

Depois do confinamento, das reuniões por videoconferência, das negociações e dos contactos telefónicos bilaterais, a importância e a urgência da decisão justificaram a primeira reunião presencial do Conselho Europeu pós-Covid-19. Pelos elevados montantes em causa (perto de , pelas posições extremadas a terem de convergir para a unanimidade exigida pelos Tratados, pelo contexto de crise pandémica que está a afetar a Europa e o mundo, era previsível que esta fosse uma longa maratona pejada de obstáculos. E também se esperava que os líderes europeus, ao contrário do que aconteceu na crise financeira de há dez anos, estivessem à altura dos desafios da História e honrassem o legado dos fundadores do projeto europeu. Nem todos estiveram, nem tudo correu bem, mas neste momento importa sublinhar o significado do resultado inédito e deixar a reflexão sobre o resto, que é muito ( arquitetura e recursos próprios, tomada de decisão por maioria qualificada, harmonização fiscal…) para mais tarde. Não se compreende que, numa situação de emergência como esta, quatro países, pouco representativos demograficamente e grandes beneficiadores do mercado único, possam bloquear a vontade dos restantes.

Portugal vai receber um montante global de mais de 45 mil milhões de euros. Cerca de 15 mil e 300 milhões em subvenções (subsídios a fundo perdido) e mais de dez mil milhões em empréstimos do Fundo de Recuperação, para investir nos próximos cinco anos, e o restante do QFP. É um desafio e uma grande responsabilidade, como referiu o primeiro-ministro António Costa. Não por acaso, o Governo apresentou hoje uma “visão estratégica” de resposta à crise, plasmada no documento “Estratégia para o plano de recuperação de Portugal 2020-2030”, preparado por António Costa Silva e, a partir de agora, aberta a discussão pública.

Há um aspeto nesta decisão europeia que merece ser sublinhado. Independentemente das questões semânticas, pela primeira vez e ao mais alto nível, é aprovada a emissão conjunta de dívida (mutualização). Solução há muito defendida pelos socialistas nas instituições europeias e sistematicamente rejeitada. É um salto qualitativo de indiscutível significado. Significa que, ao contrário da reação à crise de 2008, desta vez, a UE compreendeu que o momento exigia mais ambição e medidas excecionais para acorrer aos territórios fustigados por uma crise pandémica de consequências devastadoras para as pessoas, famílias e empresas.

Foi há poucos meses que o coronavírus entrou no espaço europeu e virou tudo das avessas. Foi há pouco tempo, mas parece que já vivemos várias vidas, conhecemos novos mundos e passámos por experiências nunca dantes imaginadas. A realidade mudou tanto que tivemos de reinventar hábitos e rotinas, redescobrir forças para ganhar resiliência, ajudar os outros e ter esperança. É também de esperança e confiança que se trata. Confiança nas instituições europeias. Esperança no futuro comum.

Albert Einstein afirmou que no “meio da dificuldade se encontrava a oportunidade”. É o momento de unir esforços e concentrar energias no que é essencial: salvar o projeto europeu e colocá-lo ao serviço dos cidadãos. E aproveitar bem as oportunidades. O mundo, a Europa e Portugal têm de mudar de paradigma de desenvolvimento económico, empenhar-se na transição digital e energética, promover a coesão territorial e social e combater as velhas e novas desigualdades. É uma obrigação para com as novas gerações.