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Carta à minha filha

Carta à minha filha

Sabes, minha filha, tenho uma má noticia para te dar, ser filha de político não é recomendável.

Opinião de:

Primeiro passo para a construção de uma estratégia nacional

Gostaria que soubesses, antes de leres a revista Sábado de hoje, que te estão vedadas atividades nobres e relevantes, que nem penses em querer trabalhar para o Governo, que nunca ponderes exercer atividades profissionais na tua área enquanto o teu pai estiver na atividade política. Nunca serás competente, nunca chegarás a cada posição pelo teu esforço, nenhuma das tuas muitas qualidades serão suficientes para poderes ser alguém.

Claro está que antecipo a tua admiração. Perguntar-me-ás se o filho de um juiz conselheiro está impedido de aceder ao nível mais alto da magistratura, se um médico, filho de um antigo chefe de serviço, está impedido de ser igualmente chefe de serviço, se um jornalista, filho de um antigo diretor de jornal ou televisão, está impedido de ser diretor de outro qualquer órgão de comunicação social. A todas essas interrogações responderás pelo meu silêncio – nenhum desses tem limitações, só os filhos, os companheiros, os familiares dos políticos as suportam, as carregam, porque há sempre uma desconfiança, um fardo. 

Sei que a esta hora estarás já a congeminar a razão desta conversa. Sabes sempre que as nossas conversas nunca são óbvias, mas esta…

O assunto é simples, hoje foi publicada uma peça jornalística onde se fala do facto de Carlos César ter um filho que é deputado regional, que a sua nora é secretária num departamento governamental, que a sua mulher trabalha num equipamento cultural açoriano, que o seu irmão trabalhou com um ministro… Vê só, pelo texto o meu amigo Carlos César é, como dizem na nossa terra, um “marau”…

Gostaria de te dizer que César é tão bom cidadão quanto teu pai, que assume um património de decência que as famílias sólidas nos valores sempre consagraram. 

Mas olha, filha, o Horácio, irmão de César, é jornalista há mais de quatro décadas, um intelectual, uma personalidade culta e interessante, que só é desqualificada por quem nunca com ele falou; o Francisco, filho de César, é, tão só, um dos quadros jovens da política portuguesa mais imaginativos e mais capazes que conheço; Luísa, mulher de César, trabalha há três décadas na área cultural tendo participado em centenas de eventos, tendo assumido imensos comissariados em exposições e festivais, tendo estruturado projetos e equipas. 

Perante isto, tu que não conheces a família César, talvez só te recordes da Patrocínia, nossa vizinha no Lumiar, ficarias de pé atrás? Claro que ficarias, de pé atrás com quem acha que a política é coisa medonha, que os políticos são um “penico” onde dejetos de pensamento maldoso são, habitualmente, debitados. 

No teu permanente questionamento sempre adivinho que o tema te despertou e não seria surpresa para mim se dissesses que juntaste mais uma razão para ajudares na qualificação da vida pública, na credibilização do espaço político. Afinal sempre nos surpreendes pela escolha do lado difícil da barricada…

Um beijo do pai. 

Ascenso Simões