AS MULHERES NÃO QUEREM PRIVILÉGIOS
Há quem aponte o sistema de quotas como remédio para assegurar uma representação equilibrada de ambos os géneros. Há quem rejeite a quota, alegando que ela representa um atentado à dignidade da mulher. E há quem acredite na capacidade autorreguladora dos partidos políticos e das empresas e se disponha a esperar mais umas décadas. Em boa hora o PS decidiu introduzir o sistema de quotas nos seus Estatutos e aprovar na AR a lei da paridade, graças à qual se vem feminizando a vida política portuguesa. Não obstante este avanço legislativo, as mulheres continuam a ser diariamente confrontadas com todo o tipo de discriminações, designadamente, ter de escolher entre ser mãe ou manter o lugar de chefia, entre acompanhar os filhos na doença ou progredir na carreira.
A partilha das responsabilidades familiares entre mulheres e homens continua a ser muito desigual. As mulheres têm mais dificuldade em conciliar a vida profissional com a vida familiar e em progredir na carreira, quando não são mesmo afastadas do mercado de trabalho. Estão largamente representadas em profissões com baixos salários e pouco prestígio social e sub-representadas nos cargos de decisão. Por isso, também as reformas das mulheres são, em média, mais baixas que as dos homens.
Em 2009, o Parlamento Europeu fez um estudo sobre a forma como a comunicação social tratou as mulheres na campanha eleitoral. As conclusões não surpreenderam. As mulheres foram praticamente ignoradas pela comunicação nacional da maior parte dos Estados-membros. Ao contrário do que aconteceu com os candidatos, a visibilidade das candidatas não decorria da importância das suas ideias e programas políticos. Eram predominantemente citadas por causa da aparência, da cor do cabelo, do vestuário, por serem familiares ou amigas de alguém.
Mesmo depois de eleitas para os mais altos cargos, o tratamento discriminatório continua. Quem se lembraria de perguntar a Barack Obama, no dia da sua eleição, como iria conciliar as exigentes responsabilidades de Presidente da República com as suas obrigações familiares? Seria impensável uma tal pergunta. Ora, esta mesma pergunta foi feita, com naturalidade e nenhuma estranheza, a Michelle Bachelet, quando foi eleita Presidente do Chile.
O mundo está a mudar, dir-me-ão. Sim, está a mudar, mas muito lentamente. Tão lentamente que, no reino do poder (político, económico, mediático e até linguístico), feminina é a exceção e a regra masculina. E, no entanto, como dizia Elina Guimarães, “as mulheres não querem privilégios, querem direitos”.