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As falas da Comissão são um “case study”

As falas da Comissão são um “case study”

As declarações da Comissão Europeia sobre o projeto de orçamento para 2016 do governo português prestam-se a um case study sobre o uso da linguagem como ação política.

Opinião de:

As falas da Comissão são um “case study”

Como referem os linguistas, as crenças mais sólidas são aquelas que não apenas são admitidas sem prova mas que, frequentemente, nem sequer são explicitadas. Os porta-vozes da Comissão não explicitam, não descrevem, não relatam, nem constatam absolutamente nada e, portanto, as suas falas não se submetem ao critério da verificação. Vão deixando “cair” sensações, estados de espírito, esperanças ou desilusões. O que eles têm dito nestes dias não é falso nem é verdadeiro. As suas falas destinam-se a criar perceções e crenças e, nessa medida, são atos puramente políticos. 

Vejamos: o Presidente da Comissão Europeia, interpelado por um repórter à saída ou à entrada de um lugar qualquer, veio dizer hoje estar “muito preocupado” com as contas públicas portuguesas. Com esta declaração falsamente informal, Juncker está a enviar uma mensagem com destinatários bem precisos, pretendendo que a sua “preocupação” funcione como mais uma forma de pressão sobre o governo português.

Esta declaração do Presidente da Comissão surge na sequência de declarações de comissários e de porta-vozes que, em briefings diários com os jornalistas, falam de “divergências” e “dificuldades”, com palavras escolhidas para acentuarem a crença de que a Comissão “não aceita”, o projeto de orçamento, ao mesmo tempo que vai inculcando a ideia de que o governo português se prepara para ceder às suas exigências.

Esta mensagem é amplificada pelos media portugueses e pelas agências internacionais e, através deles, a Comissão mostra o seu poder e a sua força a países como Espanha, perante a “ameaça” de esta vir a ter um governo de esquerda. O discurso da Comissão é, pois, um discurso com um enquadramento e um objetivo bem específicos, independentemente das “tecnicalidades” que eventualmente separam os seus técnicos e o ministério das Finanças. 

Acresce que, como os jornalistas bem sabem, não é habitual um porta-voz da Comissão vir dizer num briefing com jornalistas, em on, como fez a porta-voz da Comissão para a Economia, Annika Breidthardt, que existem “grandes divergências” entre Portugal e a Comissão. Este tipo de afirmações é geralmente feito em off e esse é um sinal de que a Comissão não está a fazer jogo sério.

Evidentemente, que a Comissão pretende exibir o seu poder perante um governo que não segue acriticamente a sua cartilha. Mas o braço-de-ferro que alimenta é, ao mesmo tempo, um sinal de fraqueza e de insegurança, representando um fechamento a qualquer racionalidade. É, para além de tudo o mais, um ato de desrespeito por um estado-membro, isto é, um ato antidemocrático. 

Os discursos da Comissão são um case study não apenas como atos políticos mas também como atos de desinformação e de manipulação.