Artificial indignação
Tenhamos cabeça fria. A livre crítica está no código genético do PS, mas não a tragédia forçada. Todos têm direito a estar descontentes e a converter em críticas pessoais o seu descontentamento. Ninguém é intocável, a começar pelo líder. Tentar forçar o capital de queixa para além do natural desagrado, utilizar os media para ampliar o volume da dor, exigir a pena de Talião (“olho por olho, dente por dente”) para retaliar contra o que consideram agravos passados, não faz parte da luta política. Fará parte da pequena insídia, da intriga rasteira. E tentar capitalizar nos ânimos feridos pelo insucesso, em altura em que a dor e as lágrimas deveriam ser contidas e os corações erguidos ao alto, quando uma luta de novos e difíceis contornos vai começar, já me parece pouco inteligente.
O PS tem órgãos próprios para as lamentações, queixas e mesmo os urros dos mais zangados. Eles vão reunir-se sem necessidade de facas longas. Estamos a meio de um mandato interno, a um ano de um congresso regular. Acresce que não se agiganta nenhum Hércules. Muito menos um Eneias, gozando de permanente proteção divina. Criar uma crise de direção, agora, quando se inicia um período em que os nossos adversários políticos sofreram o forte revés de terem que governar em minoria, é desviarmo-nos do essencial.
Mas se a dor for tão grande que mal se suporte, se a insatisfação converter os erros de cada um em erros de um só, se a insídia e a inveja e sua filha traição começarem a lavrar o seu caminho, pois então que se discuta, se debata, convenção ou mesmo congresso, venham eles! Afinal, fomos nós que inventámos o direito à indignação.