António de Almeida Santos
Trabalhei com António de Almeida Santos entre 1995 e 2001. Depois convivemos na bancada parlamentar até 2005 e, por último, nas coisas do partido, eu como membro do secretariado nacional e ele como nosso presidente.
A cada passo me recordo dele porque com ele aprendi o que é verdadeiramente a autoridade.
Almeida Santos era a norma, a norma jurídica inventora, resolutiva, elaborada. O homem das leis sabia o valor das leis e, por isso, as desgraduava na leitura da vida, da relação humana, na cordialidade da ação política. Sempre que lhe era possível a solução não impunha o caminho penoso dos artigos e das alíneas, não se revelava na consideração mecânica do cumprimento ou não cumprimento abstrato dos ditames legais ou estatutários. Essa era a primeira das suas grandezas.
Almeida Santos era um intelectual. Talvez a densidade da sua escrita, por vezes prolixa confesso, nos deva levar a pensar que estamos, ainda hoje, perante um visionário, um atento homem do futuro, uma personalidade bipolar na sobriedade do seu ser e da invenção do futuro coletivo. E isso era muito bom de ler, de ouvir, de mastigar enquanto políticas, enquanto ciência, enquanto desencaminhamento das nossas formas de estar e de pensar.
Entrando pela leitura da ética e das ciências da vida, consumindo a antecâmara da sua proposta ecológica, consagrando as novas formas de prever a relação do Homem com a tecnologia, a obra de Almeida Santos é, tão só, uma das mais profundas e desafiantes de todos os autores/pensadores da segunda metade do século XX.
Há em Almeida Santos uma espécie de segunda parte do pensamento de António Sérgio, uma segunda leitura, por vezes contestatária, da visão de país de Magalhães Godinho, há um confronto (dependendo dos textos e dos momentos) no consagrar Namora, Abelaira e Cardoso Pires ao travo com que nos fornecia o seu vinho literário.
O parlamento atribuiu a António Almeida Santos a homenagem permanente com a consagração do auditório que ele próprio mandou construir. É justa a glorificação para quem se dava ao contraditório inteligente, para quem se ousava em atenção às novas gerações, para quem se fazia atrevido em áreas novas. Mas o parlamento não pode esquecer um dos seus presidentes, o mais profícuo e mais apaixonado das suas figuras. E este tempo tende a nivelar pelo terreiro a inteligência e a dignidade parlamentar…
É por isso que importa elevar Almeida Santos como o grande parlamentar da nossa terceira república, como aquele a quem a inteligência extraordinária permitia consagrar a diferença e possibilitava a rebeldia dos argumentos que, mesmo não vencedores, eram inerentes à validação da função suprema do ser Deputado.
Que saudades eu tenho…