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Ana Catarina Mendes: “O fim do arco da governação não significa que haja um novo”

Ana Catarina Mendes: “O fim do arco da governação não significa que haja um novo”

(Entrevista ao Expresso de dia 4 de maio de 2019. Texto de Miguel Santos Carrapatoso e Vítor Matos. Foto de Nuno Botelho)

Ana Catarina Mendes recebeu o Expresso na terça-feira, no Largo do Rato. Entretanto, deu-se a crise e a entrevista à secretária-geral-adjunta do PS teve de ser atualizada na sexta-feira, já com o cenário da demissão em cima da mesa. A número dois do PS está alinhada com a estratégia que parece estar em marcha: poupar os parceiros e a esquerda e carregar em força contra a direita já a pensar nas campanhas eleitorais.

Acredita que algum partido vá recuar até à votação final global do diploma dos professores, evitando a demissão do Governo?

Espero que todos os partidos tenham responsabilidade e tenham ficado ainda com mais consciência, depois das declarações do primeiro-ministro, do que está em causa, em termos financeiros para o país.

Quem deverá ser mais “responsável”? A direita ou a esquerda?

A bem de todos os portugueses, todos devem ser responsáveis. Assunção Cristas e Rui Rio, que fazem parte dos partidos que mais cortaram, são os mesmos que hoje prometem que vão repor todo o tempo aos professores. Por isso, a responsabilidade é saber quanto é que isto custa e dizerem, já agora, como é que isto se paga.

A aliança dos parceiros do PS com a direita é uma traição ao espírito destes quatro anos?

Não gosto de falar em traições. Acho que o que aconteceu na votação dos professores é uma tremenda irresponsabilidade.

Deitaram tudo por terra, para usar palavras suas?

Não podemos pôr em causa todas as conquistas destes três anos e meio ao nível dos rendimentos, da melhoria de vida das pessoas, em nome de uma medida que todos sabemos ser insustentável.

Deita por terra a confiança entre estes partidos?

Neste momento está nas mãos dos portugueses dizerem da sua confiança nos diferentes partidos. Estou convencida da confiança das pessoas no PS. Pela sua credibilidade e responsabilidade, que trouxe ao país no estrangeiro, provou que merece a confiança dos portugueses.

Mas entre os partidos?

Cada partido é responsável pelos seus atos e votações. Todos têm consciência da tremenda crise pela qual o país passou. No PSD e CDS é claramente eleitoralismo. Os mesmos partidos que há dois meses acusavam o PS e o Governo de eleitoralismo pela medida do passe único, pela sua implicação orçamental, são os mesmos que agora impõem aos portugueses um aumento da despesa brutal. O que significa também que terão de explicar aos portugueses se vão aumentar impostos ou em que despesa querem cortar para implementar uma medida destas.

No futuro, será possível governar à esquerda sem maioria absoluta?

Como tenho dito sempre, na noite das eleições os portugueses falarão. E ditarão qual será a formação do próximo Governo. Ao longo destes quatro anos, provámos que ninguém perdeu a sua identidade e foi possível melhorar as condições de vida…

Esta crise não conta?

… com realismo. E com responsabilidade.

Rui Rio está a enganar os portugueses e a enganar os professores. Faz lembrar Passos

Ana Catarina Mendes

Este momento não deixará marcas?

O PCP e o BE sempre disseram o que pensavam sobre este assunto. Quem mudou a sua posição foi a direita.

O PS não devia conseguir garantir que os parceiros não tomassem uma medida destas, pondo o Governo em risco?

Esta legislatura foi sempre gerida com diálogo, e negociação entre todos os partidos envolvidos, nunca nada foi imposto. O PCP, o BE e o PEV sempre disseram que queriam a reposição integral. Quem mudou a posição foi o PS e o PSD.

Neste momento a maioria absoluta é o único caminho do PS?

Os portugueses dirão qual é o caminho do PS e confio que os portugueses vão dar um voto de confiança e uma vitória ao PS nas legislativas nas europeias e nas regionais da Madeira.

Os portugueses percebem a queda do Governo por causa disto?

Acho que os portugueses percebem que não é possível dar um passo maior do que a perna. Percebem que não querem voltar ao tempo em que é era preciso cortar, nem voltar ao tempo do empobrecimento.

Este dramatismo todo neste momento favorece o PS junto do eleitorado do centro?

Não é um dramatismo, é falar verdade aos portugueses.

PCP e o BE sempre disseram o que pensavam. Quem mudou a posição foi a direita

Ana Catarina Mendes

Uma ameaça de demissão é dramatismo.

Os portugueses habituaram-se a que o PS promete e cumpre e fala verdade… e o primeiro-ministro falou verdade.

Rui Rio diz que o Governo mente.

Mas nem me vou pronunciar sobre isso. O dr. Rui Rio está a enganar os portugueses e a enganar os professores. Se Rui Rio fizer as contas e souber quanto é que custa esta medida, sabe que está a prometer o que nunca poderá cumprir. Faz mesmo lembrar Pedro Passos Coelho, que prometeu aos portugueses que não cortaria o 13º mês e a primeira medida que tomou no Governo foi mesmo cortar.

O Bloco de Esquerda diz que a crise é artificial e o PCP acusa o Governo de eleitoralismo.

Não é eleitoralismo, porque a medida tem um impacto financeiro muito significativo. Não é artificial, porque se queremos continuar a subir o salário mínimo e a subir as pensões e a criar emprego, não podemos prometemos que não podemos cumprir.

Se a lei for aprovada terá de ser apreciada pelo Presidente da República: qual o significado político de um veto ou de uma promulgação?

O significado político de um veto é que a lei pode voltar ao Parlamento. Uma promulgação é a sua publicação.

Um veto dá força ao Governo?

O que me parece essencial é que a direita foi irresponsável.

Admite uma futura aliança entre PS e PCP, excluindo o BE?

Todos estavam muito distraídos quando António Costa anunciou em 2014 o fim do arco da governação. O fim do arco da governação não significa que haja um novo arco da governação. Dito isto, a solução encontrada foi ótima para Portugal…

Mas…

… se ela se puder repetir no futuro, ótimo. Mas acho que o PS, na noite das eleições, tem o dever de olhar para os resultados eleitorais e saber o que fazer.

“Choca-me” divulgarem documentos

Se a legislatura prosseguir, a secretária-geral adjunta do PS acredita que o PSD possa viabilizar a Lei de Bases da Saúde. Apesar de dizer que o Bloco é “confiável”, diz-se “chocada” com o BE pela divulgação das propostas do Governo que estavam a ser trabalhadas.

António Costa está a cumprir o que prometeu a António Arnaut? Não está a salvar o Serviço Nacional de Saúde (SNS), como sugeriu Manuel Alegre?

António Costa está a cumprir aquilo que prometeu e está a salvar o SNS. Aliás, sempre que o PS esteve no Governo houve um reforço do SNS.

Alegre não tem razão?

Depois do depauperamento total do SNS por parte do PSD e do CDS, foi o PS que teve de investir no SNS. Se reconheço que há muito a fazer? Sim. Mas não podemos dizer que o PS não está a cumprir. Uma Lei de Bases não se esgota na existência ou não das PPP e deve garantir um SNS público, universal e tendencialmente gratuito. Essa foi sempre a espinha dorsal do PS. Mas é preciso ter uma noção da realidade: sempre que for preciso, deve haver a complementaridade com o sector privado. Parece-me absolutamente normal.

Foi o Governo que propôs ao BE acabar com as PPP.

O que sempre esteve na base da proposta do Governo foi esta ideia de supletiva e temporariamente recorrer ao privado sempre que o SNS não consiga dar resposta…

O Bloco disse que estava em choque.

Terá de perguntar a Catarina Martins porque é que está em choque. A mim choca-me é se as pessoas vão ao SNS e não têm a garantia de que são tratados.

E chocou-a a conferência de imprensa do BE a revelar os documentos de trabalho?

Choca-me sempre. Tenho 20 anos de Parlamento. Aprendi muito do que são negociações e há documentos que não devem ser revelados desta forma. E mais não digo.

Ficaria chocada com uma lei de bases aprovada por PS e PSD?

Não. Esta proposta não fere os princípios do PS. Como tal, não ficaria chocada. Espero, aliás, que o PSD possa aprovar esta lei.

Não é a primeira vez que o BE anuncia ter chegado a acordo quando ainda não tinha aval do Governo. É confiável?

Os quase quatro anos de governação mostraram que é um parceiro confiável.

Mesmo depois de ter mostrado um documento de trabalho?

É uma atitude que fica com o BE. Em todas as grandes questões estratégicas do Governo, o BE, o PCP e o PEV foram sempre parceiros leais e confiáveis.

Questões como esta podem prejudicar um futuro acordo?

Na noite das legislativas, os portugueses farão a sua avaliação sobre esta solução e a liderança do PS. Depois dessa noite, veremos o que será o futuro. Soluções que funcionaram devem continuar a funcionar, mas cada coisa a seu tempo.