Alternativa de esperança
Claro que outros temas estão presentes, como o modelo de desenvolvimento baseado em conhecimento e inovação em vez de em baixos salários, a reforma democrática do poder local (cuja omissão em documentos anteriores eu próprio estranhei), o funcionamento e aperfeiçoamento da atual governação à esquerda, a questão da transparência ética e da confiança no permanente escrutínio público para prevenir corrupção, as propostas das novas esquerdas do Sul da Europa, com autocrítica pelo excesso de fé no automatismo dos mercados, o reganhar de interesse na militância laboral, a urgência de interessar a juventude na vida pública, a igualdade de género, a renovada relevância da emigração e tantos outros temas da atualidade.
Mas a pergunta legítima será: porquê este interesse tão detalhado na Europa? A resposta está no que vivemos nas últimas décadas e sobretudo nos últimos cinco anos. A Europa está por dentro das nossas vidas. Não basta elogiá-la ou blafesmá-la. Ela está à nossa volta e dentro de nós. Criticá-la tem sido fácil, tantos são os seus erros como agrupamento de nações geográfica e culturalmente próximas, sem governância capaz. Erros de conhecimento, de comportamento, de ignorância até, erros de violação dos valores éticos da sua construção, menorização da sua história e do seu papel no mundo, erros nos desequilíbrios da sua atenção, dominante no modelo castrador, sancionatório, omissa nas preocupações sociais, das quais depende a felicidade dos povos que a compõem.
Ora a moção de António Costa, continua a linha de prioridades do Programa Nacional de Reformas: qualificação dos Portugueses, inovação, valorização do território, modernização do Estado, capitalização das empresas e reforço da coesão e igualdade social. E desenvolve-a para fora do País, de forma proativa, com sugestões e propostas que podem gerar um novo paradigma europeu, face ao falhanço do atual. Falhanço nos objetivos, na omissão de valores, no imediatismo, na falta de horizonte económico, na força dos ricos sobre os pobres, nas aventuras militares inconsequentes, na cegueira face a refugiados e migrantes, no tratamento secretista de uma das mais estratégicas e necessárias portas de saída, o Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento (TTIP), enfim, na incapacidade de aprender com erros e crises. O reforço dos valores iniciais europeus, a revisão e conclusão dos instrumentos de ação da governação europeia, o desmantelamento do fixista pavor da inflação, a exportação em circuito fechado, a subvalorização das nossas vantagens estratégicas em conhecimento e inovação, a ditadura do risco moral que menoriza os mais fracos pela tutela dos mais fortes, a perda dos objetivos da convergência, o esquecimento da economia obliterada pelas décimas das finanças, o abandono rápido das boas ideias como as contidas no “Relatório dos Cinco Presidentes”, a União Bancária no início do caminho e já a usar-nos como cobaia, enfim, um sem número de passos errados, incompletos, inconclusivos e quase sempre incoerentes.
É contra toda esta confusão e desaguisado axiológico que Costa propõe a revisão da política europeia. Quixotismo? Só por preguiça mental se pode confundir política europeia proativa, com luta inútil. Não se trata de nenhuma aventura, mas da progressiva persuasão dos nossos pares, demonstrando sempre que nunca fugiremos a obrigações comuns. O que nos confere o direito de participar igualitariamente na reconstrução do espírito, do modelo e da prática europeias.