Alguém quer uma crise?
Esta pandemia deve ser aproveitada para se fazer o que tem de ser feito, sem cedência a facilidades e pressões e aproveitando criteriosamente cada cêntimo das subvenções europeias. Fazer as reformas e os investimentos que o interesse nacional reclama e que as conjunturas obrigaram a adiar. Diz-nos a história que as guerras e as crises podem acelerar mudanças e progressos. Na II Guerra Mundial, as mulheres foram obrigadas a substituir os homens no mercado de trabalho. Substituição provisória que se tornou definitiva, porque, acabada a guerra, as mulheres não aceitaram regressar ao antigo gineceu. Na crise de 1929, a necessidade de partilhar o trabalho para reduzir o desemprego ditou o fim da semana laboral de seis dias. Daqui a trinta anos, como vamos olhar para o ano de 2020? Que grandes alterações vão resultar da pandemia? Já antes da pandemia, o Governo se tinha comprometido com a descarbonização do país até 2050. Jeremy Rifkin (que tive o privilégio de ouvir teorizar sobre “a terceira revolução industrial”), prevendo que, em 2028, petróleo, gás e carvão terão sido substituídos pela energia solar e eólica, defende a convergência entre a energia verde e as tecnologias digitais. Também Mariana Mazzucato propõe uma economia centrada na estratégia do New Deal ecológico, que consiste em reduzir as emissões de carbono e, ao mesmo tempo, investir na formação dos trabalhadores para se adaptarem às novas tecnologias. Ideias e objetivos incluídos nos documentos de recuperação económica apresentados pelo Governo e que já constavam no programa eleitoral do PS sufragado pelos eleitores, cujos quatro pilares – alterações climáticas, demografia, desigualdades e sociedade digital – se revelaram decisivos em tempo de pandemia e determinantes para o futuro.
Até aqui, o governo fez o que devia: acorreu aos setores mais duramente atingidos pela crise e lutou em todas as frentes para salvar vidas, preservar rendimentos, defender empregos e empresas, procurou prever para prevenir. Já antes se tinha prevenido, ao dar prioridade ao investimento nos serviços públicos e chegar a 2020 com um excedente orçamental, que tanto jeito deu para o primeiro embate. Agora precisa de condições para continuar a combater a pandemia, recuperar a economia e cuidar do futuro.
Começaram as negociações sobre o Orçamento do Estado (OE) para 2021. Processo que se afigura difícil e moroso, mas que o interesse nacional exige que seja rapidamente concluído com a aprovação do OE. Ninguém compreenderia uma crise política quando o país se encontra no meio de uma crise sanitária e a preparar os instrumentos de recuperação económica e social. Sem estabilidade política não há plano que resista nem acurada gestão dos fundos europeus. As prioridades são conhecidas e todos temos a noção de que os recursos são insuficientes para satisfazer todas as vontades. Não há manta para cobrir a cabeça sem destapar os pés. Não vê isto quem só olha para o umbigo. Espero que os partidos da geringonça não queiram dar razão a Cavaco Silva e percebam que a estabilidade é agora um bem ainda mais precioso e uma exigência nacional.