Agricultura: Ditames europeus e opções nacionais
A nova Política Agrícola Comum, PAC, garante um envelope financeiro para o nosso país superior a oito mil milhões de euros, mais de metade dos quais sem qualquer co-financiamento nacional. Em 50 anos de PAC, e 30 de adesão de Portugal à UE, esta é, de longe, a mais adaptada à nossa realidade e, também, a mais positiva para os consumidores, para os contribuintes e para os cidadãos europeus em geral.
A alteração de paradigma que foi introduzida na nova política agrícola europeia torna-a mais “verde” e sustentável, uma vez que os pagamentos diretos por hectare ficarão condicionados ao cumprimento, por parte dos agricultores, de práticas agrícolas amigas do ambiente, as chamadas medidas de “greening”, concebidas de forma a conciliar a valia ambiental com a competitividade do sector.
Os agricultores deixarão de ser subsidiados em função das quantidades produzidas, muitas vezes a qualquer preço, passando a ser remunerados, mediante um pagamento por hectare, pelos “serviços ambientais” que prestam a toda a sociedade.
Teremos também uma PAC mais justa, uma vez que, ainda que aquém do desejável, haverá uma maior aproximação do valor médio pago por hectare aos agricultores dos diferentes Estados-membros. Haverá igualmente maior equidade entre os próprios agricultores dentro de cada país, tendo em conta que, até 2020, será aplicado um mecanismo de “convergência” que transferirá uma percentagem das ajudas diretas daqueles que recebem valores, por hectare, acima da média nacional, para aqueles que dela estão abaixo, de forma a que nenhum fique aquém de 60% desse valor médio. Mas, por outro lado, ninguém, dos mais beneficiados, verá o seu nível de ajudas ser reduzido em mais de 30%.
A possibilidade de os Estados-membros majorarem, até 65%, os primeiros 30ha, ficou igualmente contemplada, de forma a beneficiar, de forma acrescida, a pequena agricultura. Passa também a ser concedida aos Estados-membros, a faculdade de poderem reduzir apoios acima do limiar dos 150 000 euros anuais por agricultor, redistribuindo o remanescente pelos restantes, elevando assim o valor médio unitário dos pagamentos por hectare. Tais pagamentos passam a abranger todas as culturas e não apenas alguns sectores específicos, como sucedia no passado.
Haverá ainda um regime simplificado e financeiramente mais benéfico para os pequenos agricultores, impedindo que nenhum deles receba menos de 500€, como sucedia. E, igualmente, apoios mais alargados para os jovens agricultores, traduzidos, para além de uma ajuda financeira à primeira instalação, a fixar por cada Estado-membro, até 70 000€, por uma majoração de 25% das ajudas diretas, até aos primeiros 90 hectares.
É ainda introduzido o co-financiamento comunitário para os sistemas de seguros agrícolas e de fundos mútuos, para acorrer a situações de catástrofes naturais, incluindo incêndios florestais, ou de doenças de plantas e de animais. Igualmente elegíveis, apoios a fundo perdido para diversos tipos de investimentos nas explorações agrícolas, na agro-industria, na irrigação, e para um vasto número de outras medidas, como as chamadas “agro-ambientais”, os apoios à floresta ou compensações para as denominadas zonas de montanha ou sujeitas a outros constrangimentos naturais ou, até, apoios para investimentos não agrícolas, ao abrigo de um conceito mais amplo de desenvolvimento rural.
As regras comuns e os apoios financeiros europeus de que Portugal beneficiou nos últimos trinta anos garantiram uma “certa continuidade das políticas”, que contribuíram de forma relevante para que a agricultura portuguesa tivesse dado um importante salto qualitativo, pese embora os custos inerentes aos ajustamentos estruturais que foi necessário efetuar, em muitos casos com pesados sacrifícios para os agricultores e as populações rurais.
A agricultura rege-se pelos ciclos lentos da natureza e os resultados só são visíveis a longo prazo. Começa a ver-se, hoje, o que foi sendo semeado ao longo de três décadas, quase sempre com desconfiança, senão mesmo hostilidade, por uma boa parte dos “média”.
Causa-me, por isso, alguma tristeza constatar que, depois de tantas e tão penosas horas de negociações, no preciso momento em que é concedida aos Estados-membros da União uma margem de manobra de decisão nacional antes inimaginável, a mesma não seja utilizada pelo atual governo de Portugal para introduzir fatores de maior justiça e equidade entre os agricultores portugueses, durante tantos anos reclamados e não concretizadas, com o preciso argumento de que os ditames de Bruxelas o não permitiam.