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A pílula, o CheckpointLX e os cortes ideologicamente seletivos

A pílula, o CheckpointLX e os cortes ideologicamente seletivos

Em 2011, pouco tempo depois da tomada de posse da atual coligação governativa, saiu a notícia de que o governo cortaria na comparticipação a alguns tipos de pílula comercializados em Portugal. A medida foi apresentada como parte de um conjunto de cortes necessários à redução da despesa(a tal gordura do Estado) e, como tal, como não tendo nenhuma conotação ideológica à partida. Corta-se por cortar, porque é preciso cortar. Que o corte incidisse sobre uma área que a direita mais conservadora sempre quis ver subfinanciada ou mesmo suprimida é pura coincidência.

Opinião de:

A pílula, o CheckpointLX e os cortes ideologicamente seletivos

A maior parte das justificações para o corte, tanto para que se fizesse, como as que afirmavam que as suas consequências seriam mínimas, fazia pouco sentido. Em termos nominais, cortar no planeamento familiar acaba sempre por resultar num aumento a médio prazo da despesa primária do Estado, nomeadamente ao nível do aumento da Interrupção Voluntária da Gravidez e dos resultados sociais da parentalidade não planeada. Além disso, argumentar sobre a existência de distribuição gratuita em centros de saúde choca com  duas realidades: a desigualdade regional nessa mesma distribuição, apontada pela APF, e essa disponibilidade estar limitada a tipos específicos de pílula, deixando um numero significativo de mulheres sem acesso a uma pílula que não lhes cause problemas de saúde.  Essa mesma realidade, a incompatibilidade conhecida de alguns tipos de contracetivos com a saúde de muitas mulheres, resulta também no simples facto de que cortar na comparticipação a pílulas especificas resulta sempre em consequências para a saúde de todas essas mulheres.

O caso do CheckpointLX toma contornos semelhantes. Um centro de base comunitária que providenciava, com apoio de financiamento do Estado, consultas de Infeções Sexualmente Transmissíveis dirigidas a homens que fazem sexo com homens. As notícias recentes falam de um corte de financiamento em 2014, que entretanto lhes retirou a capacidade de continuarem a providenciar esse serviço. 

Mais uma vez estamos perante um corte cujas consequências diretas e indiretas, a médio prazo, representam um aumento na despesa, não esquecendo o impacto negativo que têm numa população já de si vulnerável. Ao reduzir-se a disponibilidade de testes a IST, neste caso em centros urbanos, aumenta-se o potencial de contágio de HIV, diminui o diagnóstico precoce, aumentando, mais uma vez, a despesa primária com tratamento, nomeadamente de urgência, mas não só. Agora, em comunicado, a ARSLVT declara estar à procura de soluções para esta situação, o que demonstra que este serviço era necessário e que o fecho do seu financiamento é um erro.

Cortes que não cortam, que não reduzem despesa, que diminuem o nível de serviço do Estado, mostram ser ideologicamente conduzidos pelo mais retrógrado dos conservadorismos e por insensibilidade social em relação aos mais desfavorecidos.