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A história da curiosidade

A história da curiosidade

Os mitos de Prometeu e de Pandora foram talvez dos primeiros a falar da curiosidade (pelo conhecimento) como sendo perigosa. Prometeu é castigado por revelar o conhecimento e o poder do fogo aos humanos, ficando para sempre amarrado a um rochedo, impossibilitado de impedir que uma águia viesse regularmente comer pedaços do seu fígado [espantoso como os antigos saberiam que o fígado é dos poucos órgãos que se regeneram com alguma rapidez!?].

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E a humanidade é castigada para sempre por não resistir à tentação de abrir a Caixa de Pandora, onde todos os males estavam encerrados. Mas muitas outras histórias confirmam esta narrativa. Orfeu é castigado por não resistir à curiosidade de olhar para trás à saída do inferno. Ícaro morre por querer voar ainda mais alto. Adão e Eva são expulsos do paraíso por desobedecerem à proibição de comerem o fruto da árvore do “conhecimento do bem e do mal”. Durante mais de um milénio o pensamento ocidental foi fortemente influenciado pelo julgamento severo de Stº. Agostinho que considerava a curiosidade como uma doença e um dos vícios na base do pecado. E ninguém esquece as terríveis palavras do Velho do Restelo dirigidas aos marinheiros que partiam para “desvendar” o mundo.

Foram provavelmente Dante, no Séc. XIII, e mais tarde Leonardo da Vinci quem começam a questionar esta visão pessimista da curiosidade. Seguem-se Montaigne, Milton, Pascal e Spinoza que, na transição do Séc. XVI para o Séc. XVII, defendem a importância da curiosidade para o crescimento do conhecimento, mas sempre … com uma condição – não sermos arrogantes e não querermos ir mais longe do que estava ao nosso alcance (“à notre portée” nas palavras de Pascal). A curiosidade seria saudável desde que sujeita a limites bem definidos. Certos mistérios deveriam continuar a ser respeitados. A influência de Bacon e de Galileu, nascidos ambos no início da segunda metade do Séc. XVI, nesta alteração da forma como a curiosidade era vista não pode ser subestimada. E é precisamente neste século que aparecem os famosos “gabinetes de curiosidades”.

Mas foram seguramente Goethe na Europa e Jefferson nos Estados Unidos, ambos nascidos na década de 40 do Séc. XVIII, que maior impacto tiveram na forma como a curiosidade passou a ser valorizada como instrumento fundamental para fazer avançar o conhecimento. Não seria de espantar, pois nesta altura, há mais de um século que as ciências estavam em explosão em todos os domínios. Gigantes como Newton, Lineu, Lavoisier estavam a influenciar de forma extraordinária os nossos conhecimentos sobre o mundo. E faltava pouco tempo para Darwin e Freud perturbarem as emergentes classes burguesas ocidentais.

Hoje, os avanços na física nuclear e na engenharia genética, forçam-nos a olhar para a curiosidade com novos olhos. As éticas, nos mais variados contextos (médico, ambiental, social, pessoal) influenciam as políticas públicas de forma indiscutível. Nomes como Jonas, Singer, Levinas e Rorty surgem de imediato. E ainda bem. O conhecimento em si continua a ser valorizado, mas as aplicações desse conhecimento requerem análises profundas sobre os riscos e os benefícios que delas resultam. Quando só conhecemos 5% do universo visível e sabemos que só 1% da informação genética no nosso corpo é humana, questões como a natureza humana e do universo estão ainda muito longe de serem compreendidas. E o que dizer da autonomia, da dignidade humana, da empatia, da verdade, da responsabilidade e da justiça? Tantas visões diferentes para estimular a curiosidade das gerações futuras. Mas hoje, talvez mais do que no passado, temos clara consciência que nem tudo o que se pode fazer com o conhecimento é aceitável. Saber escolher voltou a ser o nosso dilema.