A EUROPA E AGENDA PARA A SEGURANÇA
Aceitando a incumbência de promover um relatório que tivesse como objetivo merecer acolhimento por parte da Comissão Parlamentar, não deixei de aportar, também, uma visão pessoal sobre o caminho que a EU vem fazendo, sobre os desafios que se colocam e que tardam a observar prioridade.
A União Europeia vive um tempo de preocupação com a endogamia burocrática que a sustenta, uma leitura autista das obrigações desta comunidade de Estados com responsabilidades civilizacionais imensas. Num reparo sobre a EU de hoje, sobre os seus principais instrumentos financeiros que sustentam as obrigações de política, constatamos que nos mantemos numa leitura desatualizada das políticas agrícolas e de desenvolvimento rural, uma velocidade atípica e deslocada da realidade no respeitante às políticas de sustentabilidade, ambiente e indústria, um comportamento pigmeu das opções geopolíticas, e uma insuficiente, apesar de esperançosa, visão sobre a inovação.
A EU é, por estes dias, um agrupado parado no meio da ponte, uma rotina incessante de adiamentos, uma inobservação complexa de prioridades, um engordar de passado e um emagrecer de futuro.
Quando a EU se reclama detentora de uma “agenda para segurança”, os grandes aglomerados de interesses que se espraiam pelo globo não se quedam no sorriso. Não haverá nunca uma política de segurança que não agregue uma visão ampla de defesa, nem ambas se sustentam sem uma afirmada consequência de relações externas. Em tudo isto se nega uma visão lúcida, uma opção cuidada, um mínimo denominador comum que consagre relações primordiais que tenham em conta a História e as idiossincrasias sobre a estruturação de cada sistema político.
A EU não sabe como tratar as questões dos desequilíbrios no Médio-Oriente; não sabe como observar o ponto certo de análise na relação com a Rússia e com a China, menos ainda com as suas áreas de influência estratégica e económica; não sabe o que quer na compatibilização dos seus interesses com os interesses dos EUA e muito menos parece saber, quase se aquedará, em nova realidade política depois de Obama.
Os Estados Membros da União consagram uma total secundarização das políticas de segurança comum. Avalie-se os processos de acompanhamento da “agenda” em cada um dos Estados e pode concluir-se pela não prioridade real em muitos.
A comunicação sobre a “agenda para a segurança”, por ser genuína e crua, merece atenção. Nem sempre a burocracia deve ser negada. Neste caso ela é essencial para sabermos do estado “pouco” em que nos encontramos.
Reparando nos elementos que nos são expostos mais não há que considerar que estamos lentos no que se refere à ameaça dos terroristas regressados; estamos quase no ponto zero no que diz respeito à prevenção da radicalização; estamos cada um por si na aplicação do direito quando se trata de punir terroristas e apoiantes; estamos na insignificância no que importa fazer para cortar o acesso dos terroristas a armas e explosivos e ao corte de financiamento das fontes.
Se o acompanhamento dos regressados é aparentemente mais fácil de tratar do ponto de vista das estruturas policiais, a realidade tem dito que deve haver mais preocupação com os “inseridos” e que é nestes que se deve ampliar o estudo. Quanto às ações de inserção, numa relação das políticas de emprego e cidades, nada se tem relevado importante, mais, nenhuma linha de contacto com as restantes políticas europeias. Quanto aos tráficos e à circulação de capitais, o mundo desregulado em que vivemos quase impede o controle, favorece a corrupção de Estado e as colaterais ligações aos submundos.
É por isso que, enquanto relator e parlamentar português confiante numa outra Europa, me apresento manifestamente quebrantado com o caminho seguido, com as opções e com os meios que foram disponibilizados para esta tão relevante prioridade.
Por último, a opção pelo “outsourcing” dos refugiados. Os acordos com a Turquia, à base de uma negação sobre “direitos, liberdades e garantias”; a constatação da realidade infra-humana que se vive nos campos de alguns países do sul; a realidade obscena na circulação entre França e o Reino Unido que não atenta numa solução a montante; a insuficiente ação diplomática para acelerar a normalização da vida, em seus países, de milhões de seres humanos que buscam, quase em desespero, um sinal de esperança no espaço europeu, estão a criar um Europa cínica que os mais solidários seres humanos, tenham ou não espírito cristão, só podem negar.
Importa, por urgente, que os parlamentos nacionais se reclamem de maior reivindicação no acelerar de medidas de política externa que ultrapassassem a contratualização do “alojamento” dos refugiados.
As instituições europeias não podem estacionar mais os processos de decisão. A retoma da iniciativa política, a melhor articulação entre Estados, a elevação do nível de preocupação com a operação ao comando executivo máximo de Bruxelas, são urgentes.
O atual estado de apatia deve ser vencido, também, com uma batalha no campo da comunicação. Para tanto não se pode ter uma perspetiva nacional do problema, não se pode deixar de assumir a responsabilidade pelo todo. As sociedades devem ser ganhas para este enorme desafio.
A integração de muitas estruturas das sociedades civis, o apanhar das vocações das Igrejas e da ação flexível das ONG devem levar à reivindicação da convocação urgente de uma Conferência Europeia que balize as obrigações e que crie outros e novos desafios. Assim poderemos fazer regressar a esperança, assim poderemos voltar a afirmar a EU.