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O antídoto à demagogia: a lição das eleições americanas

O antídoto à demagogia: a lição das eleições americanas

Logo a seguir à divulgação dos resultados da eleição americana, escrevi o seguinte no Facebook: “Sinto uma enorme preocupação e tristeza no meu estômago. É o sentimento de ver uma pessoa amada muito doente e que talvez não sobreviva (o que significa que algures no meu interior creio que a América está moribunda).”

Opinião de:

O antídoto à demagogia: a lição das eleições americanas

Quatro dias após a confirmação de Trump como o Presidente eleito, ainda sinto essa dor física. Talvez para animar o meu próprio espírito – e motivar as pessoas progressistas em Portugal – quero escrever não sobre as razões da vitória de um homem primário, ignorante e racista, mas para impedir que outros demagosos tão perigosos como ele cheguem ao poder em outros países democráticos.

A mais importante arma que temos para proteger as nossas sociedades democráticas é a educação – uma educação abrangente e completa, e não meramente um treino para um emprego específico! Isto está mais do que provado pela recente eleição americana.  Os residentes dos estados com altos níveis de escolaridade votaram claramente a favor de Hillary Clinton. Por exemplo, em Massachusetts, que tem o mais alto nível de escolaridade nos EUA, 60,8% dos votantes escolheram Clinton e só 33,5 votaram em Trump, uma diferença de quase 30 pontos percentuais. Ao contrário, nos estados com os mais baixos níveis de escolaridade, os residentes votaram claramente a favor do candidato Republicano.  Em Alabama, por exemplo, 62,9% escolheram Trump e 34,6% Clinton. Outra vez, uma diferença de quase 30 pontos percentuais.

A segunda arma para combater a ascensão de um demagogo ao poder é a criação de um partido político progressista que preste muita atenção aos cidadãos desfavorecidos e que queira responder claramente às dificuldades legítimas deles. Nos EUA, tanto Democratas como Republicanos tendem a esquecer-se da faixa mais pobre da população americana exceto durante o período da campanha eleitoral. São 45 milhões de americanos a viver abaixo do nível de pobreza. O seu poder de compra é mais baixo hoje em dia do que há 40 anos. Para a classe média a situação não é muito melhor, porque o fosso entre as pessoas mais ricas e pobres aumenta desde os anos 70. As pessoas da classe média mal conseguem pagar a universidade dos filhos porque as propinas são 4 vezes mais altas hoje do que há 40 anos (ajustadas à taxa de inflação). Em suma, os pobres e a classe média já não sonham com uma vida melhor para os seus filhos e netos. E estão em fúria, sobretudo nos estados que perderam as indústrias tradicionais (como Michigan, Wisconsin e Minnesota).  Estas pessoas sentem-se marginalizadas e a maioria delas recusou votar em Hillary Clinton porque a consideravam uma política de dentro do sistema – uma pessoa da elite política que só se lembra deles durante as companhas eleitorais. Se o partido Democrata tivesse ouvido bem as queixas da classe média e dos pobres ao longo dos últimos 10 anos, se tivesse conseguido reduzir o fosso entre os ricos e pobres, se tivesse feito mais desde 2007, não para salvar as instituições financeiras, mas para salvar estas famílias, teria ganho esta eleição. Dessa perspetiva, o sucesso de Trump é um despertar  para todos os partidos progressistas no mundo.  

Uma última nota… Na América da minha juventude, as pessoas sempre disseram que simplesmente não compreendiam a ascensão de Hitler na Alemanha dos anos 30 de século passado. Perguntavam: com essa aparência física de um clown e aquele discurso primário e grosseiro – com aqueles movimentos espasmódicos – como é que conseguiu motivar um país supostamente avançado? Não estou a comparar os programas de Hitler e Trump, mas agora já não devemos ter dúvidas que uma pessoa primária e insultuosa – e aparentemente ridícula – pode tomar conta de um país democrático também no século 21.  

Richard Zimler

Só gostava de acrescentar que me assusta viver num mundo em que os três países militarmente mais potentes (EUA, Rússia e China) serão liderados por homens orgulhosos, nacionalistas e com uma concentração cada vez maior de poder.

Alexandre Quintanilha